2013-08-30

EU ACREDITO EM D'US, UM D'US QUE SORRI








''Mas não sei se o D'us em que eu acredito é o mesmo D'us em que acredita o balconista, a professora, o porteiro.

O D'us em que acredito não foi globalizado.
O D'us com quem converso não é uma pessoa, não é pai de ninguém.
É uma ideia, uma energia, uma eminência.
Não tem rosto, portanto não tem barba.
Não caminha, portanto não carrega um cajado.
Não está cansado, portanto não tem trono.
O D'us que me acompanha não é bíblico.

Jamais se deixaria resumir por dez mandamentos, algumas parábolas e um pensamento que não se renova.
O meu D'us é tão superior quanto o D'us dos outros, mas sua superioridade está na compreensão das diferenças, na aceitação das fraquezas e no estímulo à felicidade.
O D'us em que acredito me ensina a guerrear conforme as armas que tenho e detecta em mim a honestidade dos atos.

Não distribui culpas a granel: as minhas são umas, as do vizinho são outras, e nossa penitência é a reflexão.
Ave Maria, Pai Nosso, isso qualquer um decora sem saber o que está dizendo.
Para o D'us em que acredito só vale o que se está sentindo.

O D'us em que acredito não condena o prazer. Se ele não tem controle sobre enchentes e violência, se não tem controle sobre traficantes, corruptos e vigaristas, se não tem controle sobre a miséria, o câncer e as mágoas, então que D'us seria ele se ainda por cima condenasse o que nos resta: o lúdico, o sensorial, a libido que nasce com toda criança e se desenvolve livre, se assim o permitirem?

O D'us em que acredito não é tão bonzinho: me castiga e me deixa uns tempos sozinha.
Não me abandona, mas me exige mais do que uma visita à igreja, uma flexão de joelhos e uma doação aos pobres: cobra caro pelos meus erros e não aceita promessas performáticas, como carregar uma cruz gigante nos ombros.

A cruz pesa onde tem que pesar: dentro. É onde tudo acontece e tudo se resolve.
Este é o D'us que me acompanha.
Um D'us simples.

D'us que é D'us não precisa ser difícil e distante, sabe-tudo e vê-tudo.
Meu D'us é discreto e otimista. Não se esconde, ao contrário, aparece principalmente nas horas boas para incentivar, para me fazer sentir o quanto vale um pequeno momento grandioso: um abraço numa amiga, uma música na hora certa, um silêncio.
É onipresente, mas não onipotente.
Meu D'us é humilde.

Não posso imaginar um D'us repressor e um D'us que não sorri.
Quem não te sorri não é cúmplice."


Girlene Oliveira Pedreira