2012-03-25

Deus, o inconsciente, a cultura





"…o seu inconsciente precisa de um deus. É uma necessidade séria e autêntica. "

C. G. Jung

[Jung, C. G. A vida simbólica: escritos diversos. Tradução de Araceli Elman, Edgar Orth; revisão literária de Lúcia Mathilde Endlich Orth; revisão técnica de Jette Bonaventura. – Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. – (Obras completas de C. G. Jung; v. 18/1) III. A vida simbólica, p. 277.]


A relação do homem com o Sagrado é uma relação que passa, necessariamente, por duas mediações, neste caso, estreitamente relacionadas. Refiro-me às mediações psicológica e cultural.

Nossas experiências são fortemente determinadas por nosso inconsciente, tanto o inconsciente pessoal quanto o coletivo.

No caso da relação com o Sagrado, as experiências tiram seu substrato do inconsciente coletivo, que, por sua vez, ancora-se em dados culturais.

Ao mesmo tempo, deve-se salientar que o que torna peculiar uma experiência, ou seja, o que a individualiza, caracterizando-a como específica daquele indivíduo, são os dados específicos da sua história pessoal, aqueles que jazem no âmago do seu inconsciente.

Resumindo, o que estou querendo dizer é que a nossa experiência do Sagrado esteia-se em três pilares: o inconsciente pessoal, o inconsciente coletivo e a cultura. Saliente-se, a propósito, que tomo este último vocábulo no sentido antropológico em que o termo é usado.

Uma vez que a relação com o Sagrado é mediada pela cultura, compete às religiões fornecer os meios para que tal interação aconteça.

Esses meios são os ritos, a doutrina, os dogmas, as divindades e tudo o que constitui uma religião.

Este é um dos motivos que tornam tão necessárias e importantes essas instituições. Elas são formas institucionalizadas – ratificadas socialmente -, de acesso ao Sagrado.

Isso não implica, necessariamente, afirmar que só seja possível estabelecer o contato com o Sagrado dentro do quadro das religiões. De maneira alguma.

Essa experiência é perfeitamente viável a quem não professa qualquer credo religioso. Entretanto, acredito que, se o sujeito está amparado por um determinado credo, com o qual ele se identifica totalmente, a experiência, sob certos aspectos, se torna mais fácil, sua travessia se torna uma jornada, de alguma forma, mais segura.

A busca do contato com o Sagrado é uma jornada árdua, difícil e longa para quem decide leva-la às últimas consequências.

E quem se arrisca a fazê-la por conta própria, sem o amparo de uma religião, seja ela qual for, fica mais suscetível a uma série de riscos, como, por exemplo, o de se deixar enganar por ilusões delirantes e situações meramente imaginárias. Embora quem busque uma religião não esteja totalmente imune a esse risco, eu diria que ele é menor.

Por fim, há mais um aspecto a salientar. Uma vez que essa experiência é sempre pessoal e colorida pelas idiossincrasias próprias de cada indivíduo, a diversidade religiosa tem que ser, necessariamente, grande, de forma a se adequar aos anseios de quem busca nelas os fundamentos para a sua busca do Sagrado.

É por isso, inclusive, que dentro de uma mesma religião há muitas nuances. Cite-se, como exemplo, as ordens religiosas, as seitas, as divindades, os santos, a diversidade de ritos e mitos, os dogmas, enfim, tudo o que constitui o riquíssimo universo das religiões.

Para concluir, não se deve esquecer, ainda, um dado muito importante, que é o fato de que o Sagrado nunca se deixa domesticar totalmente. Tome-se, aqui, domesticação no sentido de institucionalização.


Quando começa a ser muito oprimido, sofrendo os estreitamentos e reducionismos próprios das instituições religiosas, ele se rebela.


É nesses momentos que aparecem os reformadores, os novos fundadores, os místicos, que sempre surgem imbuídos da missão de dar uma arejada na instituição, trazendo algo novo, que sempre surpreende.

Para ficar dentro da perspectiva católica, poderia citar dois exemplos de figuras que provocaram grandes abalos na instituição, com suas propostas radicais: São Francisco de Assis e Santa Teresa d´Ávila. Um outro exemplo que, no caso, provocou um abalo que poderíamos dizer sísmico, foi Lutero.


~x~x~x~x~x~x~x~x~x~x~x~x~x~x~x~x~x~x~x~x~x~x~x~x~x~

O Sagrado se manifesta conforme é reverenciado








" Às vezes, o retardamento em atender às preces é uma prova a que Deus nos submete. Mas Ele afinal se apresenta, assumindo a forma adorada pelo devoto persistente. Um cristão devoto contempla Jesus; um hindu vê Krishna ou a deusa Káli; ou então, uma Luz que se expande, se a adoração assume forma impessoal. "


Paramahansa Yogananda


[Yogananda, Paramahansa. Autobiografia de um Iogue. Tradução de Adelaide Petters Lessa. – São Paulo: Summus, 1981, p. 204.]


No texto [ anterior ] (...), tratei das mediações de que o Sagrado se vale para se manifestar. Prefiro falar de Sagrado para denominar esta realidade transcendente a fim evitar dar uma conotação muito judaico-cristã ao assunto, uma vez que, em se tratando desta, eu teria que adotar necessariamente uma perspectiva monoteísta.

Assim procedo porque as hierofanias, ou seja, as manifestações do Sagrado, acontecem em quaisquer religiões, sejam elas monoteístas ou não.


Faço aqui um parêntesis para esclarecer o seguinte: o Inominável, que, por questões de comodidade e porque precisamos da linguagem para a Ele nos reportar, nas religiões monoteístas recebe o nome de Javé, Deus ou Alá, ocupa, nessas religiões, o centro de toda sacralidade.

Em outras tradições religiosas, porém, ele ocupa essa mesma centralidade, sendo-lhe atribuídas, porém, outras denominações.


Feito este parêntesis, afirmei no texto anterior que o Sagrado, ao se manifestar, o faz mediado tanto pela cultura quanto por fatores inerentes à psicologia do sujeito que o experimenta.

Essa é a conclusão inevitável quando se faz um estudo aprofundado da história das religiões. Fica difícil, depois disso, falar de religiões verdadeiras ou falsas.

Na verdade, é quase impossível fazê-lo. Isso não quer dizer, porém, que se possa defender o ponto de vista de que tudo o que dizem e escrevem em nome das religiões seja verdadeiro.


Existe o charlatanismo e existe, ainda, algo talvez muito mais grave e mais difícil de identificar, que é o auto-engano. Quanto a esse aspecto, as religiões aparecem como um dos terrenos mais férteis.

Quantos loucos e desvairados já apareceram ao longo da história da humanidade propagando as maiores asneiras e estultices, motivados por supostas revelações e inspirações divinas.


Em contrapartida, quantas figuras maravilhosas e iluminadas foram, em sua época, consideradas loucas, tornando-se, algum tempo depois, incensadas e reverenciadas devido ao reconhecimento do valor de sua mensagem e de seus atos.

No caso da Igreja Católica, lembramos, por exemplo, a figura de Joana D´Arc, queimada na fogueira e, depois, reabilitada e elevada à glória dos altares.


Estou convencido de que o itinerário seguido por determinada pessoa em sua relação com o Sagrado, noutras palavras, a forma como ela faz sua experiência religiosa, é que dá o colorido dessa mesma experiência.

Nesse sentido, tanto deve ser levada em conta sua idiossincrasias, suas características enquanto sujeito único e singular, quanto sua opção religiosa, pois, no trato com o Sagrado, os símbolos desempenham um papel fundamental.

É nesse aspecto que as religiões dão uma contribuição muito importante. São elas que fornecem ao indivíduo os símbolos através dos quais ele pode elaborar e comunicar a sua experiência.


Para concluir, devo dizer que não tenho quaisquer dúvidas da veracidade do relato de São Franscisco de Assis sobre o episódio por ele vivenciado no monte Alverne, quando, após a visão da figura que se tornaria conhecida nos anais do franciscanismo como o Serafim alado, recebeu os estigmas de Cristo.

Da mesma forma, de maneira alguma questiono a veracidade da visão relatada por Paramahansa Yogananda no seu livro Autobiografia de um Iogue, em que ele fala da visão que teve de Krishna num momento crucial de sua jornada espiritual.

Ambas as experiências são verdadeiras, reais, e sua veracidade e realidade podem ser aquilatas pelas consequências que provocaram nos sujeitos que protagonizaram as duas hirofanias mencionadas.

Foram ambas experiências transformadoras, deixando nos protagonistas marcas indeléveis. Essa é, sem dúvida, a afirmação maior de sua veracidade.


Por: Vasco Arruda

NOTA: Os destaques são de MÉDIUM.