2012-09-06

Sobre a Liberdade







Sei que é inútil tentar discutir os juízos de valores fundamentais. Se alguém aprova como meta, por exemplo, a eliminação da espécie humana da face da Terra, não se pode refutar esse ponto de vista em bases racionais.


Se houver porém concordância quanto a certas metas e valores, é possível discutir racionalmente os meios pelos quais esses objetivos podem ser atingidos. Indiquemos, portanto, duas metas com que certamente estarão de acordo quase todos os que lêem estas linhas.

1. Os bens instrumentais que servem para preservar a vida e a saúde de todos os seres humanos devem ser produzidos mediante o menor esforço possível de todos.

2. A satisfação de necessidades físicas é por certo a precondição indispensável de uma existência satisfatória, mas em si mesma não é suficiente. Para se realizar, os homens precisam ter também a possibilidade de desenvolver suas capacidades intelectuais artísticas sem limites restritivos, segundo suas características e aptidões pessoais.

A primeira dessas duas metas exige a promoção de todo conhecimento referente às leis da natureza e dos processos sociais, isto é, a promoção de todo esforço científico. Pois o empreendimento científico é um todo natural, cujas partes se sustentam mutuamente de uma maneira que certamente ninguém pode prever.

Entretanto, o progresso da ciência pressupõe a possibilidade de comunicação irrestrita de todos os resultados e julgamentos – liberdade de expressão e ensino em todos os campos do esforço intelectual.

Por liberdade, entendo condições sociais, tais que, a expressão de opiniões e afirmações sobre questões gerais e particulares do conhecimento não envolvam perigos ou graves desvantagens para seu autor.

Essa liberdade de comunicação é indispensável para o desenvolvimento e a ampliação do conhecimento científico, aspecto de grande importância prática. Em primeiro lugar, ela deve ser assegurada por lei.

Mas as leis por si mesmas não podem assegurar a liberdade de expressão; para que todo homem possa expor suas idéias sem ser punido, deve haver um espírito de tolerância em toda a população.

Tal ideal de liberdade externa jamais poderá ser plenamente atingido, mas deve ser incansavelmente perseguido para que o pensamento científico e o pensamento filosófico, e criativo em geral, possam avançar tanto quanto possível.

Para que a segunda meta, isto é, a possibilidade de desenvolvimento espiritual de todos os indivíduos, possa ser assegurada, é necessário um segundo tipo de liberdade externa.

O homem não deve ser obrigado a trabalhar para suprir as necessidades da vida numa intensidade tal que não lhe restem tempo nem forças para as atividades pessoais.

Sem este segundo tipo de liberdade externa, a liberdade de expressão é inútil para ele. Avanços na tecnologia tornariam possível esse tipo de liberdade, se o problema de uma divisão justa do trabalho fosse resolvido.

O desenvolvimento da ciência e das atividades criativas do espírito em geral exige ainda outro tipo de liberdade, que pode ser caracterizado como liberdade interna.

Trata-se daquela liberdade de espírito que consiste na independência do pensamento em face das restrições de preconceitos autoritários e sociais, bem como, da “rotinização” e do hábito irrefletidos em geral.

Essa liberdade interna é um raro dom da natureza e uma valiosa meta para o indivíduo. No entanto, a comunidade pode fazer muito para favorecer essa conquista, pelo menos, deixando de interferir no desenvolvimento.

As escolas, por exemplo, podem interferir no desenvolvimento da liberdade interna mediante influências autoritárias e a imposição de cargas espirituais aos jovens excessivas; por outro lado, as escolas podem favorecer essa liberdade, incentivando o pensamento independente.

Só quando a liberdade externa e interna são constantes e conscienciosamente perseguidas há possibilidade de desenvolvimento e aperfeiçoamento espiritual e, portanto, de aprimorar a vida externa e interna do homem.

Parte I

Durante o século passado e em parte do que o precedeu, a existência de um conflito insolúvel entre conhecimento e crença foi amplamente sustentada. Prevalecia entre mentes avançadas a opinião de que chegara a hora de substituir, cada vez mais, a crença pelo conhecimento; toda crença que não se fundasse ela própria em conhecimento era superstição e, como tal, devia ser combatida.

Segundo essa concepção, a função exclusiva da educação seria abrir caminho para o pensamento e o conhecimento, devendo a escola, como o órgão por excelência para a educação do povo, servir exclusivamente a esse fim.

É provável que raramente, ou mesmo nunca, possamos encontrar o ponto de vista racionalista expresso com tanta crueza; pois todo homem sensível veria de imediato o quanto essa formulação é tendenciosa. Mas é conveniente formular uma tese de maneira nua e crua quando se quer aclarar a própria mente com relação a sua natureza.

É verdade que a experiência e o pensamento claro são a melhor maneira de fundamentar as convicções. Quanto a isto, podemos concordar irrestritamente com o racionalista extremado.

O ponto fraco dessa concepção, contudo, é que as convicções necessárias e determinantes para nossa conduta e nossos juízos não podem ser encontradas unicamente nessa sólida via cientifica. Pois o método cientifico não nos pode ensinar outra coisa além do modo como os fatos se relacionam e são condicionados uns pelos outros.

A aspiração a esse conhecimento objetivo está entre as mais elevadas de que o homem é capaz, e certamente ninguém pode suspeitar que eu deseje subestimar as realizações e os heróicos esforços do homem nessa esfera.

É igualmente claro, no entanto, que o conhecimento do que é, não abre diretamente a porta para o que deve ser. Podemos ter o mais claro e completo conhecimento do que é, sem contudo sermos capazes de deduzir disso qual deveria ser a meta de nossas aspirações humanas.

O conhecimento objetivo nos fornece poderosos instrumentos para atingir certos fins, mas a meta final em si é a mesma, e o desejo de atingi-la devem emanar de outra fonte.

E é praticamente desnecessário defender a idéia de que nossa existência e nossa atividade só adquirem ‘sentido’ mediante o estabelecimento de uma meta como essa e dos valores correspondentes.

O conhecimento da verdade como tal é maravilhoso, mas é tão pouco capaz de servir de guia que não consegue provar sequer a justificação e o valor da aspiração a esse mesmo conhecimento da verdade.

Aqui defrontamos, portanto, com os limites da concepção puramente racional de nossa existência. Mas não se deve presumir que o pensamento inteligente não possa desempenhar nenhum papel na formação da meta e de juízos éticos. Quando alguém se dá conta de que certo meio seria útil para a consecução de um fim, isto faz com que o próprio meio se torne um fim.

A inteligência elucida para nós a inter-relação entre meios e fins. O mero pensamento não pode, contudo, nos dar uma consciência dos fins últimos e fundamentais.


Elucidar esses fins e valores fundamentais é engastá-los firmemente na vida emocional do indivíduo; parece-me, precisamente, a mais importante função que a religião tem a desempenhar na vida social do homem.

E se alguém pergunta de onde provém a autoridade desses fins fundamentais, já que eles não podem ser formulados e justificados puramente pela razão, só há uma resposta: eles existem numa sociedade saudável na forma de tradições vigorosas, que agem sobre a conduta, as aspirações e os juízos dos indivíduos; eles existem, isto é, vivem dentro dela, sem que seja preciso encontrar justificação para sua existência.

Nascem, não através da demonstração, mas da revelação, por meio de personalidades excepcionais. Não se deve tentar justificá-los, mas antes, sentir, simples e claramente, sua natureza.

Os mais elevados princípios para nossas aspirações e juízos nos são dados pela tradição religiosa (...). Trata-se de uma meta muito elevada, que, com nossos parcos poderes, só podemos atingir de maneira muito insatisfatória, mas que da um sólido fundamento a nossas aspirações e avaliações.

Se quiséssemos tirar essa meta de sua forma religiosa e considerar apenas seu aspecto puramente humano, talvez pudéssemos formulá-la assim: desenvolvimento livre e responsável do indivíduo, de modo que ele possa por suas capacidades, com liberdade e alegria a serviço de toda a humanidade.

Não há lugar nisso para a divinização de uma nação, de uma classe, nem muito menos de um indivíduo. Não somos todos filhos de um só pai, como se diz na linguagem religiosa?

Na verdade, mesmo a divinização da humanidade, como totalidade abstrata, não estaria no espírito desse ideal. E somente ao indivíduo que é dada uma alma. E o ‘sublime’ destino do indivíduo é antes servir que comandar, ou impor-se de qualquer outra maneira.

Se considerarmos mais a substância que a forma, poderemos ver também nestas palavras a expressão da postura democrática fundamental. Ao verdadeiro democrata é tão inviável idolatrar sua nação quanto ao homem religioso, no sentido que damos ao termo.

Qual será então, em tudo isto, a função da educação e da escola? Elas devem ajudar o jovem a crescer num espírito tal que esses princípios fundamentais sejam para ele como o ar que respira.

O mero ensino não pode fazer isso. Se mantemos esses princípios elevados claramente diante de nossos olhos, e os comparamos com a vida e o espírito de nosso tempo, revela-se flagrantemente que a própria humanidade civilizada encontra-se, neste momento, em grave perigo.

Nos Estados totalitários, são os próprios governantes que se empenham hoje em destruir esse espírito de humanidade. Em lugares menos ameaçados, são o nacionalismo e a intolerância, bem como a opressão dos indivíduos por meios econômicos, que ameaçam sufocar essas tão preciosas tradições.

A clareza da enormidade do perigo está se difundindo, no entanto, entre as pessoas que pensam, e há uma grande procura de meios que permitam enfrentar o perigo – meios no campo da política nacional e internacional, da legislação, da organização em geral.

Esses esforços são, sem dúvida, extremamente necessários. Contudo, os antigos sabiam algo que parecemos ter esquecido.

“Todos os meios mostram-se um instrumento grosseiro quando não tem atrás de si um espírito vivo”.


Se o desejo de alcançar a meta estiver vigorosamente vivo dentro de nós, porém, não nos faltarão forças para encontrar os meios de alcançar a meta e traduzi-la em atos.


Albert Einstein


NOTA 1: Encontrei este texto entre outros que tenho quardados e não me lembro de onde ele veio. Há uma atribuição a Albert Ainstein, contudo eu não tenho certeza.

NOTA 2:
Todos os destaques são de MÉDIUM.