O amor platônico é o mais incompreendido de todos os conceitos de Platão. As pessoas, que em sua maioria não conhecem a obra de Platão, pensam que amor platônico significa amor ascético ou assexuado. Isso não é verdade.
Em O Banquete, Platão apresenta o amor sexual como um ato natural, mas com raízes infinitamente mais profundas.
No pensamento de Platão existe um princípio cósmicosobre o amor?
Sim. Para Platão o amor é um princípio cósmico. Ele afirmou que o amor é uma escada com sete degraus, que vão do amor por uma pessoa até o amor pelas realidades superiores do universo.
Todo o livro O Banquete, sua mais importante obra sobre esse assunto, é dedicado ao amor em seus diversos aspectos. Ele diz que, mesmo que eu me apaixone por uma pessoa, atraído por qualidades, fixar-me exclusivamente nessa pessoa é permanecer no primeiro degrau de uma escada que possui muitos outros.
O passo inicial nessa escada, para a maioria das pessoas, ocorre através do amor físico. Platão diz que o ser humano busca a imortalidade através da pessoa amada, por meio da procriação. Entretanto, fixar-se nesse primeiro degrau é permanecer parado, em comparação a tudo o que uma pessoa pode vir a ser.
Isso não quer dizer que Platão negue o corpo ou o amor físico. Ele apenas afirma que, se eu deixar de ampliar esse relacionamento e não subir até os outros seis degraus, vou permanecer estagnado. Os passos seguintes são um desdobramento natural da condição humana.
(...) Tudo o que ele disse em O Banquete - ao amar uma pessoa você está amando o universo e vice-versa - relaciona-se ao amor genuíno, sem egoísmo. Ele jamais apóia o relacionamento físico apenas como meio de obter prazer.
(...) O passo número dois é amar todas as formas físicas belas. O terceiro passo é amar a beleza da mente, independente da forma física à qual ela está associada.
O quarto passo da escada do amor é a ética - o amor pelas práticas belas. Envolve integridade, justiça, bondade, consideração - características que também contêm beleza e impelem ao amor. É um passo mais abrangente e universal. Ele conduz ao degrau número cinco, que é o amor pelas instituições belas.
Esse quinto estágio diz respeito ao modo como a sociedade funciona quando suas instituições estão em equilíbrio e harmonia. Trata-se de amor pelo governo, pela cultura e por tudo que a obra A Republica cita como exemplo de instituições belas. O bem comum é o interesse primordial, não o bem do indivíduo, do núcleo familiar ou mesmo da pequena comunidade.
Desse ponto, a alma ascende para o sexto degrau da escada do amor. Ele é uma curva gigantesca para o alto, em direção ao universal e ao abstrato. A isso Platão chama "ciência", ou seja, conhecimento e compreensão. No sexto passo você se apaixona pela ciência, que articula não só as leis que governam o indivíduo, a família e a sociedade, mas algo que transcende o meio local. A beleza da ciência é universal, como o Teorema de Pitágoras.
(...) A ciência apresenta beleza, harmonia e ordem. Você pode se apaixonar por isso tão profundamente quanto por um homem ou por uma mulher. Os grandes cientistas como Einstein, Kepler, Galileu e Newton afirmaram que, ao articularem as leis do universo, estavam estudando a lógica, a ordem e a beleza da mente de Deus.
Giordano Bruno, filósofo e cosmólogo executado pela Inquisição em l600, preferiu ser queimado na fogueira a negar seu insight científico de um universo infinito e interligado.
Ele manifestou uma paixão tão profunda pelas leis do universo que defendeu sua visão assim como um homem defenderia a mulher amada de uma agressão. Preferiu a morte à negação desse amor. Isso é amor verdadeiro.
(...) Depois de passarmos por todos os degraus, ocorre, no sétimo passo, uma diferença de gradação; subitamente você vê não a manifestação da beleza, mas a beleza em si. Esse é o ponto alto dos sagrados mistérios. O amor se expressa como a manifestação eterna da beleza em si. Você se apaixona pela essência que torna belas todas as coisas.
(...) "apenas em tal comunhão, mirando a beleza com os olhos da mente, o homem será capaz de suscitar não projeções de beleza, mas realidades (pois ele entronizou não uma imagem, mas uma realidade), produzindo e nutrindo a verdadeira virtude para tornar-se o amigo de Deus, um ser imortal."
Isso soa como um contato visionário com uma realidade ou verdade suprema.
É uma espécie de visão. É como ver o sol na alegoria da caverna, em A República. Depois de viver de costas para o sol e ver apenas sombras na parede, subitamente você vê a luz! É uma fusão com a forma amada, a integralidade; é uma espécie de imortalidade.
O amor mundano e físico é o início da busca da totalidade. O final é a visão do que está por trás do universo, do que o faz girar.
Portanto, no sétimo degrau da escada do amor, apaixonar-se é unir-se à origem do ser. É uma espécie de doutrina mística do amor, e esse é o amor platônico. Trata-se de um ponto de vista comovente e inspirador, que transcende enormemente a idéia de ficar de mãos dadas com alguém.
Entrevista com Renée Weber, por Scott Minners, extraída do livro A visão espiritual da relação Homem & Mulher; Ed. Teosófica
Referência: Eros, a Força do Amor na Paideia de Platão