2014-01-25

Os conselhos do "homem mais feliz do mundo"








Matthieu Ricard foi a grande atracção do II Congresso Internacional da Felicidade, em Madrid

Filho do filósofo francês Jean-François Revel, Matthieu Ricard cresceu entre a nata da nata dos intelectuais da Paris, como Stravinsky e Cartier-Breson. Doutorou-se em biologia molecular e trabalhou com um nobel da Medicina. Mas, aos 26 anos, percebeu que isto não era suficiente. Que os génios que o rodeavam podiam ter cérebros iluminados, mas isso não aumentava as suas qualidades humanas.

Trocou então a ciência pela espiritualidade e rumou aos Himalaias. Estudou com alguns dos maiores guias do budismo e hoje é tradutor e braço direito de Dalai Lama. Pelo meio arranja ainda tempo para fotografar, escrever livros e com isso angariar dinheiro para o projeto humanitário Karuna Shechen, que ajuda mais de 90 mil pessoas.
Agora, com 65 anos e mais de 10 mil horas de meditação, voltou à ciência como objeto de estudo e foi monitorizado com 256 sensores colados na cabeça, que mediram a actividade do córtex pré-frontal do seu cérebro.

A escala de felicidade, criada para a investigação da Universidade de Wisconsin e testada em centenas de outras pessoas, ia de um mínimo de felicidade, +0.3, ao máximo de -0.3. Matthieu Ricard atingiu -0.45.

Em suma, em estado contemplativo, o monge conseguiu um equilíbrio entre emoções jamais visto, com um claro desvio para as positivas, como o entusiasmo e a alegria, que anulavam as negativas, como o medo e a ansiedade. Foi considerado o homem mais feliz do mundo.

Com traje budista, ténis desportivos e sorriso aberto, encontrámo-lo no II Congresso Internacional da Felicidade Coca-Cola, em Madrid.

Cinco perguntas a Matthieu Ricard:

Foi considerado o homem mais feliz do mundo. Qual é o seu segredo?

(risos) Não, isso não é bem assim. Mas posso dar alguns conselhos sobre as pessoas em geral. Primeiro há que se reconhecer que quer ser feliz. Acima de tudo não devemos negligenciar as nossas emoções, o nosso interior. 

Egoísmo, arrogância, agressividade são tudo sentimentos que nos fazem sentir mal, que controlam as nossas mentes e impedem a nossa felicidade. Não são sentimentos que nos sejam impostos, nós somos os responsáveis por eles e toda a gente sabe o mal que nos fazem. 

A verdade é que nós podemos treinar a nossa mente. Não interessa o que se passa cá fora, o nosso controlo aí é muito limitado. Já lá dentro só depende de nós.

Temos de pôr de lado os prazeres mundanos para sermos felizes?

Não há mal nenhum no prazer. Mas o prazer não tem nada a ver com felicidade. 

Imagine por exemplo um banho quente. Se viermos gelados da rua e nos pusermos debaixo de água quente, sabe maravilhosamente. Mas se ficarmos lá 24 horas, é insuportável.

Tal como a música alta. Um bocadinho é bom, 24 horas pode ser tortura.

Aliás, é um dos métodos usados em Guantanamo. Viver apenas de prazer deixa-nos exaustos. A felicidade é uma forma de estar na vida, não é apenas uma sensação momentânea.

Durante décadas, muitos psicólogos defenderam que nos devemos focar mais no "eu". Já você tem uma visão totalmente contrária. Afinal quem tem razão?

Essa é uma visão muito estúpida. É óbvio que devemos pensar em nós próprios, mas não devemos passar o dia focados no "eu, eu, eu". 

Que forma mais aborrecida de viver!

O individualismo e o egoísmo destroem a felicidade. Essa ideia de que primeiro vou tomar conta de mim e depois, se me sentir bem, é que me dedico aos outros, não funciona.

É uma atitude em que todos têm a perder. Parte de treinar a mente está em amar os outros, preocuparmo-nos com os outros, dar aos outros e aí a felicidade será conjunta.

Dar e receber é uma bola de neve. Mas atenção: preocuparmo-nos connosco, gostarmos de nós, é importante. Só não pode é ser feito de forma narcísica.

Estamos no meio de uma profunda crise económica. Ainda há pouco tempo um homem suicidou-se em frente ao Parlamento grego por causa da falta de dinheiro. Nestas condições, como é que podemos ser felizes?

Se ligarmos a felicidade exclusivamente ao dinheiro nunca conseguiremos. 

Há muitas coisas supérfluas nas nossas vidas. Coisas de que não precisamos. Passamos a vida a tentar ter essas coisas materiais e se não as temos sentimo-nos miseráveis. Mas realmente precisamos delas? De tanto luxo?

E quando se deixa de ter dinheiro para pagar as contas? Não é uma questão de luxo...

Viver de forma mais simples não significa que tenhamos de voltar a viver na floresta. Mas não podemos nós mudar o estilo de vida e viver com menos? 

Essenciais são a amizade, a paz, a sensação de ter o coração cheio, de que cada momento vale a pena ser vivido.

Está mais do que estudado - e atenção que não falo de ensinamentos budistas - que quanto maior o nível de consumismo, menor é a felicidade que se alcança.


(Leia a entrevista completa na Revista do Expresso, nas bancas a partir de sábado, dia 28 de abril)
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