2014-01-20

O Além na Divina Comédia de Dante Alighieri








Post-mortem

O PARAÍSO... 2ª PARTE

Onde se acham as almas dos que combateram pela Igreja e nesse mister morreram [p. 348].

O Quinto Céu, céu de Marte anuncia-se pela visão do esplendor da nova estrela. Chamar Marte de estrela é um engano astronômico de Dante, posto que este astro é um planeta. Mas Dante corretamente caracteriza este patamar de beatitude pelo seu afogueado esplendor. Marte, é chamado de o Planeta Vermelho. Neste rubro céu, uma formação de dois raios delineiam a imagem da Santa Cruz com Cristo e tudo. Os espíritos deste céu são descritos por Dante: De uma a outra extremidade dos braços e do mais alto ao mais baixo da cruz, milhares de fogos movimentavam-se, rutilando... [destes] ...luzeiros... defluia pela cruz melodia certamente angélica... [ALIGHIERI, 2003 – p 346]. Sem muito mais a dizer sobre o céu de Marte, Dante registra ali a presença dos famosos: profeta Josué e Carlos Magno.


SEXTO CÉU – O CÉU DE JÚPITER


IMAGEM: Dante-Worlds, University of Texas Austin


Nesta esfera argêntea [prateada], o sexto céu, cintilam espíritos do amor... Ocupam-se de uma curiosa dança, aquela grei, em seus lumes bem-aventurados, voando e cantando, executando uma coreografia meio da qual vão compondo letras, palavras, versos. O Céu de Júpiter é a morada dos príncipes bons [pode-se, então, supor, que esta esfera tem baixa densidade demográfica-espiritual pois, se nem todos os príncipes do passado foram bons e já quase não existem mais príncipes, naturalmente, o crescimento da população de Espíritos ali deve estar, praticamente estagnado. Também é difícil entender por quê os es pectros dos príncipes bons são, especificamente, espíritos do amor. Meditemos...]


Visão do Céu de Júpiter

Holkham. Bodleian Library, University of Oxford
A collection of bibliographical references to medieval manuscripts


No céu de Júpiter, os espíritos que se ocupam cantando e criando suas coreografias santas, são capazes de se coordenar formando imagens perfeitas e cheias de simbolismo. Em sua passagem, Dante tem a visão de uma águia gigantesca, símbolo da justiça divina, resultante da composição de uma horda desses espíritos dos príncipes bons: Diante de mim, com as asas distendidas, a maravilhosa imagem do grande pássaro; cada uma das almas luminosas que o compunha semelhava um pequeno rubi no qual ardessem os raios do Sol [ALIGHIERI, 2003 – p 366].


Esta águia canta, esta águia fala e diz a Dante, referindo-se ao Juízo Final, que depois do grande julgamento haverá no Universo: apenas dois bandos: o dos eleitos e o dos danados [ALIGHIERI, 2003 – p 369]. Significa que, para milhões de espíritos, mesmo depois de um eternidade de penas no Inferno, não haverá absolvição nem resgate de pecados. Essa justiça de águia é impiedosa posto julga duas vezes e duas vezes penaliza impiedosamente. Meditemos...


SÉTIMO CÉU – O CÉU DE SATURNO


No Céu de Saturno reúnem-se os espíritos voltados à contemplação, santos, os beatos, ermitões. São exemplos: São Pedro Damião ou São Pedro Damiano [1007-1071] bispo, cardeal, doutor da igreja, eremita. santo católico. São Bento de Núrsia [480-547 d.C.], monge italiano, fundador da Ordem dos Beneditinos e da Regra de São Bento, um dos mais importantes entre os regulamentos que orientam a vida monástica. É o santo padroeiro da Europa, em especial, da Alemanha. Fundou numerosos mosteiros. Também viveu como eremita, isolado em uma gruta durante três anos.

Neste céu saturnino existe uma escada de ouro por onde transitam lumes brilhantes, subindo e descendo, são espíritos e anjos. É a própria escada de Jacó cumprindo sua função mais simples: ser o Caminho entre O Céu e a Terra. Dante descreve sua visão desta escada bíblica-celestial: Plantada naquele cristalino e luzente planeta... vi em seu centro uma escada de ouro que se elevava tão alto que a mais atilada vista não lhe poderia perceber o fim [ALIGHIERI, 2003 – p 374].


Sobre a Corrupção da Igreja


Durante toda a sua peregrinação Dante encontra inúmeros espíritos com os quais conversa mais ou menos longamente. Esse é um dos aspectos que, em meio à linguagem tão antiga do texto, fornece curiosas informações sobre a percepção dos espíritos no Além, seja no Inferno, no Purgatório ou no Paraíso: os espíritos manifestam, em certos encontros, faculdades clarividentes e fazem revelações proféticas sobre o futuro próximo do próprio Dante. Também mostram que estão cientes, atualizados sobre o curso dos acontecimentos na Terra do viventes.

Nas manchetes dos jornais dessa pós-modernidade, especialmente nesta primeira década do século XXI, a questão da corrupção nas câmaras, escritórios, palácios e paróquias da Igreja Cristã Católica Apostólica Vaticana [pois não mais faz sentido chamá-la romana] é um escândalo exposto na sucessão de notícias que falam dos pecados do clero. Na crônica do post-mortem de Dante fica claro que essa corrupção é muito antiga. Espíritos que o poeta encontrou no Paraíso em pleno século XIII já criticavam duramente a conduta dos servos católicos do Cristo.

Entre estes, Pedro Damiano [citado acima], monge beneditino que viveu no século XI [anos 1000 d.C.], chamado Pedro Pecador, S. Pedro degli Onesti, fundador do convento de Santa Maria do Porto, perto de Ravena. É este, São Pedro Damiano que comenta com Dante a situação que perdura até hoje: Cefas [São Pedro, apóstolo] e este Vaso de Eleição [São Paulo, apóstolo], descalços, magros, assentavam-se a qualquer mesa, alimentando-se de quase nada. Os pastores modernos, no entanto, de uma a outra parte se movendo, sempre precisam ter servos por perto, para ajudá-los a manter-se em pé... e os auxiliar a permanecer eretos... Ó paciência, até quando! [São Pedro Damiano está esperando até agora. Meditemos...].


Mais adiante, já no Oitavo céu – que o Céu das Estrelas Fixas, São Bento de Núrsia, [também citado acima] retoma a crítica:

[o] ...amor às riquezas ensandeceu o coração dos monges; pois, na verdade, os bens da Igreja não são dela mas por ela custodiados em nome dos que pedem pelo amor de Deus... Pedro iniciou sua missão sem possuir ouro e prata; eu, com orações e com jejuns; e Francisco [São Francisco de Assis] com humildade ergueu seu convento. Se comparares o passado destes com o que hoje vemos [ou seja, nos século XIII e XIV, fim dos anos 1200 a início do anos de1300], concluirás que o branco se fez preto com o passar do tempo. Correção para estes males seria milagre maior do que... o Mar Vermelho abrir-se em obediência à vontade divina.

São Bento de Núrsia tinha razão. Recuperar a imagem de santidade, o nível credibilidade da Igreja cristã Católica Apostólica Vaticana [ou, do Ocidente], isso parece, de fato, uma tarefa quase impossível, um milagre, que o atual Papa, Bento XVI tenta, com enormes dificuldades, realizar. [Meditemos... de novo].


São Pedro Mais Críticas à Igreja

As críticas à Igreja não param nas observações de São bento de Núrsia. Dante retoma a polêmica no Oitavo céu, das Estrelas Fixas. Em plena Idade Média, na passagem dos séculos XIII para XIV [anos 1200 para 1300] este poeta aproveitou a Comédia, utilizando suas fictícias conversas com espíritos famosos [no passado e alguns ainda hoje, no presente século XXI] para expor os pecados dos cristãos Romanos-Católicos. Foram 13 papados durante os 56 anos de vida de Dante Alighieri [1265-1321]. Sobre a Igreja daquele tempo, diz São Pedro:

Eis que esse que na Terra usurpa o meu lugar [de Papa]... que, porém, o Filho de Deus [Jesus, o Cristo] considera vago, converteu meu túmulo em sentina [lugar imundo] de sangue e podridão... A Igreja não foi alimentada com meu sangue... para que tal sangue fosse transmudado em ouro por ganância desmedida. Foi, decerto, para garantir aos fiéis a fruição destas delícias... Não foi nosso propósito que o povo cristão viesse a sentar-se uma parte à direita e outra à esquerda de nossos sucessores, nem jamais foi determinado que as chaves a mim confiadas viessem a tornar-se estandartes de irmãos contra irmãos; nem que minha efígie servisse de selo nas concessões de privilégios comerciados e pervertedores... [ALIGHIERI, 2003 – p 399/400].


OITAVO CÉU – O CÉU DAS ESTRELAS FIXAS


Acima do Céu de Saturno fica o Céu das estrelas fixas. A primeira visão de quem alcança este céu é uma magnífica alegoria do triunfo do Cristo. Ali fulgura aquele outro Sol, crístico, místico, ao qual Dante se refere à medida que ascende rumo ao Empíreo. Diz o poeta: No oitavo céu – ou céu das estrelas fixas... vislumbrei um Sol que a todos a todos aqueles lumes empresta seus clarões... brilhante fulgurava a Divina Substância [ALIGHIERI, 2003 – p 383].


Visão da Virgem Maria

Tal como nos céus anteriores, o habitante do Além paradisíaco ou peregrino que conhece o post-mortem dos bem-aventurados, em Dante, desfrutam continuamente de prazeres celestiais entre os quais, a narrativa deixa claro, está o prazer da música, posto que os espíritos cantam, ou recitam orações em jograis, em corais e, como voam e cintilam em diferentes cores, coordenam-se formando figuras alegóricas. No Céu de Saturno, o desencarnado poderá se deparar com uma fabulosa visão da Virgem Maria.

Dante refere-se a Ela como a rosa mística em que o Verbo divino se fez carne [Jesus, o Cristo]. Na visão do poeta Ela é uma viva estrela, divina safira, rodeada daqueles espíritos-lumes que, claro, cantam!!!... Regina Coeli {Rainha do Céu]. Porém, o deslumbramento desta visão de Maria Santíssima é rompido pela aparição de São Pedro, o primeiro apóstolo. Sua presença é muito natural, naquelas alturas, praticamente na porta do Supremo Céu – o Empíreo. Pode-se pensar, então, que São Pedro é o último estágio antes que a alma puríssima tenha o privilégio estar na presença da Suprema Inteligência, Daquele que, sendo incognoscível [impossível de s er conhecido] é, simplesmente – DEUS! Mas... ainda não!

Mais três personagens santos surgem e junto com São Pedro, cada um deles, submete o Espírito que se aproxima do Empíreo a quatro perguntas de natureza filosófica, religiosa, noética. Dante, muito sabiamente, não hesita em citar a Bíblia para responder aos santos. São os sabatinadores, além de são Pedro: São Tiago, o que é chamado irmão de Jesus e nomeia o hoje famoso Caminho místico da Espanha; São João Evangelista, o apóstolo, aquele que mencionado como sendo o discípulo mais amado do meigo Rabi e... Adão! São Pedro perguntará ao Espírito, o quê é a Fé. São Tiago, perguntará da mesma maneira sobre a Esperança. São João Evangelista, sobre a Caridade. Adão, nada pergunta a Dante, ao contrário, informa.


.[http://www.cod.edu/Middle/exhibit/papers/Dante.pdf]


O Post-Mortem de Adão!

Adão está lá também sob uma forma luminosa: Dentro destes raios [o lume, a chama] a primeira das almas criadas pela Alta Virtude contempla seu Criador... único homem criado já adulto... [ALIGHIERI, 2003 – p 397]. O post-mortem de Adão, é uma daquelas questões teológicas muito curiosas que consumiram os miolos de muitos doutores da Igreja. Recentemente, o post-mortem dos pais de Moahamerd... ops, Mohammed, o fundador de fachada do Islamismo, foi objeto de profunda reflexão por parte dos teólogos islâmicos. Diz a notícia:

As autoridades religiosas egípcias emitiram uma fatwa (decreto muçulmano) a qual assegura que os pais de Maomé, o profeta do islamismo, não estão no inferno. O decreto religioso foi publicado no site do instituto Dar al Ifta, criado no Egito em 1895 e que emite cerca de mil ditames diários sobre os mais diversos assuntos. O anúncio foi feito depois de um estudo dos ulemás (sábios) da instituição para dar fim a uma polêmica sobre a fé dos pais de Maomé e sobre se estão no paraíso ou no inferno. Em seu comunicado, o instituto Dar al Ifta explica que os pais de Maomé não podem estar no inferno porque morreram antes da chegada do islã à Terra. FONTE: Terra Notícias – EFE

O post-mortem de Adão não é revelado na Bíblia canônica [oficial para o Vaticano], nem no Antigo nem no Novo Testamento. Porém, entre os Evangelhos Apócrifos, um deles, ao menos, esclarece a questão. O apóstolo Bartolomeu conta que no momento em que o espírito de Jesus, o Cristo, abandonou seu corpo de carne e morreu, pouco depois, Ele, o crucificado, foi visto ascendendo aos céu levando consigo um grupo de espíritos antigos, espíritos dos patriarcas, como Adão, Abraão, Eva, entre outros. Nesta passagem do apócrifo, Adão é descrito como um homem muito grande, gigantesco. Meditemos... Eis o trecho do relato de Bartolomeu:

Depois que Nosso Senhor Jesus Cristo ressuscitou de entre os mortos, acercou-se dele
Bartolomeu e abordou-o desta maneira:
— Desvela-nos, Senhor, os mistérios dos céus...
...[E Bartolomeu pergunta] — Quando ias no caminho da cruz, eu te segui de longe. E te vi a ti, dependurado no lenho, e os anjos que, descendo dos céus, te adoraram. Ao sobrevirem as trevas e eu estava a tudo contemplando. Eu vi como desapareceste da cruz e só pude ouvir os lamentos e o ranger de dentes que se produziram subitamente das entranhas da terra. Dize-me, Senhor, onde fostes depois da cruz?
Jesus, então, respondeu desta forma:
— Feliz de ti, Bartolomeu, meu amado, porque te foi dado contemplar este mis tério. Agora podes perguntar-me qualquer coisa que a ti ocorra, porque tudo dar-te-ei eu a conhecer. Quando desapareci da cruz, desci aos Infernos para dali tirar Adão e a todos que com ele se encontravam, cedendo às suplicas do arcanjo Gabriel...
Dize-me, Senhor — disse-lhe Bartolomeu. — Quem era aquele homem de talhe gigantesco a quem os anjos levavam em suas mãos?
Jesus respondeu: — Aquele era Adão, o primeiro homem que foi criado, a quem fiz descer do céu à terra. E eu lhe disse: por ti e por teus descendentes fui pregado na cruz. Ele, ao ouvir isso, deu um suspiro e disse: assim, rendo-me a ti, Senhor.


APÓCRIFO DE BARTOLOMEU.
IN LOJA MAÇÔNICA REGENTE FEIJÓ, Biblioteca [http://www.lojaregentefeijo.com.br/Livros_pdf/Apocrifo%20de%20Bartolomeu.pdf]

Na Comédia de Dante, Adão relata seu tempo de espírito pré-cristão: [No Limbo] ...durante quatro mil trezentos e dois anos anelei [desejei] o Paraíso... A língua que falei extinguiu-se por completo ainda antes que Nemrod se ocupasse em dar início à obra interminável... [ALIGHIERI, 2003 – p 398]. Percebe-se que Dante Alighieri não buscou sua inspiração nas Escrituras canônicas atuais. Antes, está claro que o poeta conhecia os Evangelhos que atualmente são chamados Apócrifos.

Estes livros foram desprezados pela Igreja Cristã Católica Vaticana em seus tempos mais grosseiros e repressores. Entre os argumentos para rejeitá-los, o fato de não serem sinóticos, ou seja, semelhantes e complementares entre si. Porém, os Apócrifos também foram banidos e até malditos, também, porquê apresentam uma doutrina cristã eivada de conceitos e testemunhos embaraçosos, como o fato de Bartolomeu afirmar que Adão foi um gigante [como afirmam a Antropogênese dos esotéricos do Tibete e da Teosofia Ocidental] ou, ainda, a evidente participação das mulheres no diálogo. Maria de Nazaré fala no Evangelho de Bartolomeu. Em outro apócrifo, ela tem uma história própria, desde o seu nasciment o imaculado; tem uma família e sua figura possui um significado muito mais definido do que aparece nos quatro evangelhos acolhidos pelo Vaticano.


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Referências:

ALIGHIERI, Dante. A Divina Comédia. [Trad. de José Pedro Xavier Pinheiro]. Ed. online Portal São Francisco – acessado em 12/07/2007.

[http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/dante-aligheri/a-divina-comedia.php]

ALIGHIERI, Dante. A Divina Comédia. [Trad. Fábio M. Alberti]. São Paulo: Nova Cultural, 2003.

ENCICLOPÉDIA BARSA, vol. 5. Dante Aliguieri. São Paulo, Rio de Janeiro: Britannica Editores, 1966

Dante-Worlds, University of Texas, Austin. IN [http://danteworlds.laits.utexas.edu/paradiso/index.html]

DICIONÁRIO DE MITOLOGIA GRECO-ROMANA. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

GREEK MYTHOLOGY. [http://www.allaboutturkey.com/sozlukmit1.htm]

RAEPLE, Eva Maria. An Intercultural Crossroad Between Christians and Muslimsin Thirteenth Century Italy: Reflections on Dante’s Divine Comedy, 2003
por Ligia Cabus do Nascimento