2013-12-31
A Passagem
Em algum lugar do tempo (sabe-se lá quando, exceto agora) nos espera uma passagem sem porta, sem tranca, sem qualquer barreira.
Em algum lugar do mundo (quem sabe onde, além de aqui) nos espera essa passagem sempre livre e aberta, um portal generoso que gentilmente convida a todos para entrar.
Por ali passa o vento como um rio invisível, carregando para além sonhos e pesadelos, alegrias e tristezas, esperanças e desesperos.
Por ali passa o sol com sua luz definitiva, iluminando o caminho de quem ousa também por ali passar.
Por que será que tão poucos olhos enxergam as luzes desta bela entrada, sempre aberta aos ares de qualquer momento?
Por qual estranho desvio nos conduz a senda da insensatez humana, e que nos cega para a realidade além da ilusão?
Como é possível desconfiar do Agora, e esquecer que o momento jamais nos trai?
Pois o presente é pura passagem, e entre um instante e outro persiste apenas nossa escolha.
Podemos fugir de nossos atos, podemos fingir que somos um nome, uma memória e uma alma.
Mas ao fim da longa caminhada seremos nada mais do que a seara de tudo aquilo que escolhemos ser.
E então (oh espantosa verdade!) faremos com nossas escolhas a história daquilo que deixamos de querer.
Assim, a passagem espera. Espera pela chegada de nossos corações.
Onde ela está? Consegue vê-la?
E no entanto, a cada ano mentes ansiosas ambicionam o novo. E sofrem por jamais obtê-lo.
Um novo velho, gasto por tantos desejos de muito mais.
Mas quem sou eu para censurá-las, se afinal não trago em minhas mãos os sucessos necessários para que minhas palavras tenham qualquer relevância?
Ao menos sei da passagem.
Sei que ela se manifesta sem condições, fortemente ancorada na fronteira improvável em que se tocam o céu e a terra.
Me espera a passagem sem porta, vazia de vitórias, plena de significados.
Me espera a passagem, e eu não a farei esperar muito mais.
Em breve meus pés irão trilhar, um passo silencioso após o outro, o limiar de sua impermanência.
Que assim seja. Ao final de tudo, sempre restará a felicidade.
Monge Kōmyō