2013-12-18
A Dança dos Olhares
Dentre as tantas belas experiências contemplativas que já tive na vida, uma das mais constantes ocorre quando caminho solitário entre outras pessoas na calçada.
Ainda hoje não canso de atentar fascinado para dinâmica impermanente do mundo.
Fluindo em meio às pessoas, percorrendo tantos caminhos, eu nunca deixo de observar a constante troca de olhares que fazemos enquanto passamos uns pelos os outros.
Este toque sutil de olhares sempre me arrebata. Leio a poesia nesta experiencia tão banal, tão ordinária. E no entanto a maioria das pessoas sequer se dá conta de sua existência.
São momentos fugazes, míseros décimos de segundo, em que estranhos se encontram pelo olhar.
Enquanto andamos, seja qual for nosso destino, por um momento poético e quase místico atravessamos o espaço de outras pessoas.
E durante a passagem destes dois corpos, cada um seguindo em direção oposta ao do outro, às vezes ocorre que a luz de nossos olhos se encontram em um ponto no tempo.
Algo maravilhoso acontece, para logo depois se acabar.
Atravessamos as fronteiras da força de gravidade de outras vidas, e quando o fazemos sentimos sua atração ou repulsão.
Naqueles míseros momentos, sinto que tenho a chance de conhecer outra estória, e quase posso ler as dores, prazeres, anseios ou ignorâncias que habitam naquele olhar fugaz.
E, no entanto, tudo isso é ilusão; a minúscula janela se fecha, o tempo passa e os olhos já não se encontram mais.
Quem jamais percebeu isso? Obviamente, este contato fugaz não acontece todo tempo, a cada pessoa que passa por mim.
Ele se manifesta apenas de vez em quando, como se em meio ao fluxo de esquecimentos mútuos repentinamente dois seres se reconhecem – mesmo que por mera troca de olhares.
Me fascina o sentido, o eco emocional, deste toque diáfano de foco. Às vezes, recebo apenas indiferença, frieza, rejeição.
Outras, estranheza; das crianças, enxergo uma mescla de curiosidade e alegria simples. Mas existem aqueles momentos raros, muito raros, quando toco um olhar que realmente me olha com reconhecimento e empatia.
E é como se algo em mim saísse de meu peito e tentasse alcançar aquele olhar, e dialogar com aquela alma. Mas o momento passa. Tudo passa.
E aquela pessoa passa pelas fronteiras de minha vida, seguindo seu caminho, para nunca mais.
Fica apenas este pífio instante de reconhecimento, fraternidade, carinho ou mesmo amor. E mais do que tudo, fica a beleza dos momentos fugazes que colorem o nosso Aqui e Agora.
Para a mente atenta não há momento desperdiçado. Para a mente consciente, há tanto a se aprender com todos esses pequenos momentos que atravessam nossa percepção.
Mas as pessoas em grande maioria encontram-se tão cheias de si mesmas, tão esquecidas do tanto que existe na obviedade do momento presente, que continuam a passar por mim sem sequer atentar para um reles olhar solitário e observador, um olhar arqueólogo escavando relíquias nos momentos que passam.
Continuo o meu caminho, respirando, olhando, esperando. Há sempre tesouros ocultos no próximo instante, aguardando para serem descobertos por qualquer um capaz de compreender a beleza do Agora.
Que assim seja.
Monge Kōmyō – Dezembro, 2013.