Médiuns...fazendo a caridade?
Ser médium! Será que sempre que saímos de um terreiro de Umbanda, após recebermos um passe ou consulta de alguma entidade, deixando por lá invariavelmente parte de nossas angústias cotidianas, nos passa pela cabeça todos os conflitos e peculiaridades que permeiam as vidas pessoais dos médiuns que ali trabalham ou especificamente daquele que acabou de possibilitar nosso atendimento?
O exercício da mediunidade na Umbanda na maioria dos casos passa por inúmeras fases: as perturbações normais da mediunidade latente e não desenvolvida, a busca muitas vezes penosa por um local que nos passe afinidade para trabalhar, as primeiras experiências e sensações com as vibrações dos guias, o período das incorporações ainda não bem "encaixadas" em que a dúvida quanto ao animismo é uma constante e finalmente o intercâmbio mediúnico já maduro e bem sintonizado com as entidades de trabalho.
Todas estas etapas são monitoradas e requerem uma ação constante do plano espiritual no sentido de irem preparando, ajustando e otimizando o aparelho mediúnico tanto do ponto de vista de adequação dos centros energéticos quanto no sentido psicológico.
Durante toda esta caminhada é justamente no campo psicológico que o médium enfrenta os maiores desafios os quais por vezes determinam o êxito ou não de chegar e principalmente de permanecer na fase de trabalho efetivo.
Primeiramente deparam-se com o desconhecido, vivenciando experiências auditivas,visuais, intuitivas, de mudanças de humor e sentimentos, entre outras manifestações comuns da mediunidade.
Nesta fase, infelizmente devido ao fato da ciência não andar em paralelo com a espiritualidade, muitos médiuns com excelente potencial de trabalho acabam vítimas de medicações psiquiátricas, terapias intermináveis e em casos mais ostensivos até mesmo de internações em instituições para tratamento mental.
Aqueles que tem a felicidade de serem orientados ou a persistência de procurarem auxílio adequado, acabam tendo o primeiro contato com algum centro espiritualista que irá descortinar para eles a realidade do plano espiritual e do compromisso mediúnico.
Uma vez cientes de suas condições potenciais de medianeiros, tem início a fase de negação, revolta ou soberba por esta condição.
Para alguns é motivo de inconformismo pelo não entendimento de ter sido uma opção pessoal de seu espírito no período entre as encarnações.
Para outros é um gancho para manifestação de personalidades egocêntricas que encontram campo fértil para serem reveladas.
Para os que conseguem encontrar o "caminho do meio" entre estes dois extremos fica lançada a sorte de se engajarem em um local de trabalho que viabilize as condições de um adequado desenvolvimento mediúnico.
Este período mexe muito com o psicológico da pessoa, pois também é uma fase de assédio intensivo e voraz da baixa espiritualidade que aproveita a inconsistência e imaturidade das convicções e da fé dos candidatos a médiuns que ainda estão assimilando as mudanças e a realidade do compromisso a ser assumido.
Certamente mais uma parcela significativa é aí eliminada tanto pela ação espiritual negativa quanto pela escassez de locais adequados que absorvam este contingente de candidatos.
Aos que lograrem êxito de permanecerem firmes no seu propósito, tem início o novo desafio de lidarem com o período de desenvolvimento da mediunidade com o pé dentro do terreiro, sem que haja a perda do equilíbrio que se faz necessário.
Havendo convicção firme no propósito de se manter na seara mediúnica com fé irrestrita no plano espiritual, o assédio da baixa vibração diminui mas pode se fazer presente o pior vilão e inimigo número um dos médiuns: o próprio ego insuflado pela vaidade.
Este sentimento sorrateiro, ao encontrar condições favoráveis, vai tomando vulto e no momento em que se abre uma brecha no equilíbrio mental e emocional do medianeiro, certamente haverá de se manifestar, podendo assim determinar a impossibilidade do prosseguimento nos trabalhos até que o trabalhador recupere a harmonia perdida.
Para alguns menos persistentes encerra-se aí a caminhada enquanto outros tantos resolvem prosseguir em "carreira solo" por entenderem não ser seu o problema e sim do centro aos quais estiveram ligados.
Realmente preocupante é quando nós médiuns nos consideramos indispensáveis e imaginamos que nossa presença na corrente é fundamental.
Afirmamos que fazemos a caridade e entendemos que desta forma estamos garantindo nossa evolução espiritual, independente da maneira como assimilamos este compromisso no mais íntimo de nosso espírito.
Consideramos que estar disponível semanalmente para o plano espiritual nos garante no mínimo uma passagem ao largo do umbral no momento do desencarne.
Muitas vezes esquecemos a verdadeira maratona a qual submetemos os amigos da espiritualidade que se comprometeram com nossa tutela a fim de que ao chegar o dia da gira possamos ao menos estar em mínimas condições para que sejamos aproveitados nos trabalhos.
Isto sem contar a verdadeira "lavagem expressa" pela qual passa nosso perispírito naqueles minutos que antecedem a abertura dos trabalhos, removendo assim toda sujeira energética que permitimos que vá se aderindo no decorrer da semana, seja pela nossa invigilância de pensamentos, seja pelas companhias pesadas as quais nos permitimos ou até mesmo por termos um papel programado de mata-borrão no ambiente familiar ou profissional.
Muitas vezes ao experimentarmos aqueles momentos de letargia anteriores as aberturas dos trabalhos preferimos pensar que estamos servindo de doadores de ectoplasma para benefício da assistência quando na verdade estamos sendo nós os beneficiados, exigindo dos amigos desencarnados no preparo da própria corrente mediúnica a perda de um tempo precioso que poderia estar sendo utilizado com os consulentes.
Vendo a questão por este ângulo, será que de fato semanalmente estamos mesmo fazendo a caridade com a assistência ou somos nós, os próprios médiuns, os maiores beneficiados com os trabalhos por termos a oportunidade de, em virtude da reunião de todos os consulentes que acorrem ao centro, disponibilizar nosso corpo físico para ação dos falangeiros do Cristo que ao final dos trabalhos nos devolvem o mesmo absolutamente equilibrado e livre de todas as energias nocivas que vamos agregando no dia-a-dia?
Será que somos nós que fazemos de fato a caridade ou é a assistência que indiretamente a faz conosco?
Aproveitando uma passagem de um livro que li recentemente, parafraseio a orientação de um espírito amigo que ao ser questionado se um médium que em determinado dia não pudesse dar passividade ao espíritos por não estar equilibrado, poderia se sentir rebaixado por auxiliar em outras atividades: “Daí a importância do médium desiludir-se de si mesmo.
Se o médium tem consciência de sua condição espiritual, sabe que é um verme que rasteja, sendo assim não se sentirá rebaixado porque não há como rebaixar mais que isso (Espírito José de Moraes)”.
Até mesmo Chico Xavier ouviu algo muito parecido de seu mentor Emmanuel. Fica para reflexão.
Adriano - Médium do Triângulo