2012-05-09

Encontro com o leproso







Somos seres mergulhados no mistério da vida, Somos cristãos. Queremos ser cristãos. Procuramos, ao longo das páginas desta rubrica, compreender como Francisco da cidade de Assis foi descobrindo seu caminho de viver. Quem sabe sua caminhada possa projetar luz em nossa estrada!

Particularmente, em sua trajetória, foi importante o encontro que ele teve com o leproso e sua dedicação a esses irmãos “cristãos” como ele costumava designá-los.

1. O encontro com o leproso é um dos episódios mais delicados e sensíveis na vida de Francisco do ponto de vista de sua biografia. Seu valor vai para além do fato de ser tema para pintores da vida do santo.

O encontro com o leproso foi decisivo no discernimento de sua vocação e coloriu com tintas próprias e fortes sua espiritualidade. Francisco já havia se encontrado com os pobres.

Agora estava diante de uma categoria toda especial de pobres, que eram esses seres em decomposição, vivendo da misericórdia dos outros, nas periferias e nos campos. Francisco, na esteira da Sagrada Escritura, compreenderá que Jesus foi um leproso, segundo os textos de Isaías.

2. O famoso episódio do beijo do leproso é relatado por quatro das mais antigas fontes hagiográficas. Na Legenda dos Três Companheiros , 11, lemos o episódio não tão diferente dos outros relatos.

Francisco indo de cavalo pelas cercanias de Assis se deu conta que um leproso vinha ao seu encontro. O jovem experimentava uma natural repugnância por esses seres em decomposição.

Fazendo grande violência a si mesmo, desceu do cavalo, deu-lhe uma moeda e beijou-lhe a mão. Tendo recebido o ósculo da paz da parte do leproso voltou a montar o cavalo e prosseguiu seu caminho. Francisco vencera-se a si mesmo. O doce tornara-se amargo e o amargo, doce.

Tal vem expresso nas primeiras linhas do Testamento do santo: “Foi assim que o Senhor concedeu a mim, Frei Francisco, começar a fazer penitência: como eu estivesse em pecado, parecia-me sobremaneira amargo ver leprosos.

E o próprio Senhor me conduziu entre eles, e fiz misericórdia com eles. E afastando-me deles, aquilo que me parecia amargo se me converteu em doçura de alma e de corpo; e, depois, demorei só um pouco e saí do mundo” (Test 1-3).

O encontro com estes seres tão pobres fez com que Francisco deixasse a mentalidade do mundo e começasse sua transformação em discípulo sério de Cristo. Foi o começo de sua conversão.

3. O filho de Pietro Bernardone parece desprezar-se a si mesmo. Começava a existir o homem espiritual. Os leprosos não constituem apenas uma primeira etapa de sua caminhada vocacional. O serviço dos leprosos constituiu uma prática constante em sua vida.

Vale meditar neste trecho, também da Legenda dos Três Companheiros, 11: “Poucos dias depois, levando consigo muito dinheiro, dirigiu-se ao leprosário e, reunindo todos os leprosos, deu a cada um uma esmola, beijando-lhe a mão. Ao se afastar, o que lhe parecia amargo, mudara-se em doçura.

Tanto assim que, como ele contou, no passado, a vista dos leprosos lhe era repugnante de tal forma que, não querendo vê-los, nem mesmo se aproximava de suas habitações e, se por acaso alguma vez lhe acontecesse de passar perto de suas casas ou de vê-los, virava o rosto e tapava o nariz, muito embora, movido por piedade, lhes mandasse esmola por intermédio de outra pessoa.

Depois desses fatos, no entanto, por graça de Deus, de tal maneira tornou-se familiar e amigo dos leprosos, que, como ele mesmo afirma no Testamento, gostava de ficar entre eles e humildemente os servia”.

4. “Cuidando dos rejeitados do mundo Francisco começava a ascender à genuína nobreza que buscava, que seria descoberta não nas armas, ou em títulos e batalhas, glórias ou duelos.

A honra não estava na companhia dos mais fortes, dos mais atraentes, dos mais bem vestidos ou mais garantidos na sociedade, mas entre os mais fracos, os mais desfigurados, os que estavam marginalizados, dependentes, desprezados (…).

Ao dedicar-se ao cuidado dos leprosos, ele tinha ido para além do intelectual e chegara à experiência. No inimaginável sofrimento deles viu a agonia final do Cristo crucificado – o Cristo abandonado e rejeitado, solitário na morte, aparentemente impotente contra a triunfante maldade do mundo” (Francisco de Assis. O Santo Relutante, Donald Spoto, Objetiva, Rio de Janeiro, p.104).

(...)

Para refletir


1. O que mais impressiona no tema dos leprosos em Francisco?
2. Quais seriam os leprosos de hoje?
3. Podemos imaginar um franciscano que, de fato, passe a viver concretamente com a ralé da sociedade? Como?



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O encontro com o leproso: o dom de morrer por amor


Foi assim que o Senhor concedeu a mim, Frei Francisco, começar a fazer penitência: como eu estivesse em pecado, parecia-me sobremaneira amargo ver leprosos. E o próprio Senhor me conduziu entre eles, e fiz misericórdia com eles. E afastando-me deles, aquilo que me parecia amargo se me converteu em doçura de alma e de corpo; e, depois, demorei só um pouco e saí do mundo (Test. 1-2).

O abraço do leproso é indicado por Francisco mesmo como o ponto culminante de sua experiência de conversão.

Ele, dócil ao Espírito, cumpriu um caminho de progressiva libertação: atravessou/superou o medo da pobreza material e de perder a própria auto-imagem (humilhação, rejeição, desprezo), não necessita mais se sentir excepcional e de ser servil; agora experimenta o trecho mais difícil no crescimento espiritual: morrer por amor.

O abraço ao leproso tem todo o sabor de um olhar a morte no rosto: risco da morte física e certeza da morte social.


Mas, tem também o sabor do amor: o amor que dá coragem de transgredir as leis e as normas humanas que segregam os leprosos; o amor que dá a coragem também de morrer para o outro.


Quem olhou a morte de frente, em particular quem fez por amor, reencontra um modo novo de viver: experimenta cores mais vivas, um respiro aberto, quase uníssono com o da natureza, uma leveza e uma liberdade interior que dão acesso a uma alegria e a uma luz que habitam no profundo.

Francisco vê de modo retrospectivo a própria vida claramente dividida em duas partes: antes e depois do abraço ao leproso.

Todo acontecimento radical, todo apaixonamento envolve todas as experiências precedentes em um advérbio que é antes de tudo uma indicação do tempo interior: "antes", ou seja, na pré-história de minha vida.

SALONIA, Frei Giovanni 

(OFMCap). Kairós 
- Direção Espiritual e Animação Comunitária. 
 p. 62-63.