2011-11-11

A Hora da Paz







O Chamamento: Em dado instante da vida, todo ser deseja encontrar o caminho da serenidade. Ou porque já se sente cansado da existência, ou porque não encontra no modo de viver, mesmo sem julgar-se vítima, nada que condiga com a aspiração trazida no cofre de sua alma.
Os homens, tocados por estranhos desejos em face da Eternidade, são como determinadas aves que, sem saberem por que, emigram durante o tempo de certas estações para longínquas terras em busca de misteriosos pousos… 
Realmente, poucos são aqueles que não trazem, nos ouvidos do espírito, o chamamento constante de vozes espirituais. E poucos não trazem, nos olhos da visão interior, paisagens e figuras de inefável doçura, que juram jamais encontrar nas cidades ou nos caminhos tortuosos deste mundo… 
Por isso talvez, como as aves aflitas, muitos buscam nas metas das religiões o roteiro para os vôos indispensáveis às asas do misticismo.


Todos têm o seu dia: Os demais, aparentemente indiferentes ou descuidados das questões do além do conhecido, encontram-se fatalmente ante um fantasma indecifrável para o concretismo de suas mentes. 
Todos têm o seu dia. Independente da dor que leve a meditar há, com relação ao campo da amplidão do ser, a atração natural do abismo que, se não seduz, amedronta os mais céticos senhores, julgando perder a dignidade ao afirmarem que acreditam na chama eterna da alma… 
Na verdade, na alma do crente ou no coração do cético mora a mesma inquietação. O primeiro, certo dos desígnios impostos por sua divindade adorada, vibra tanto quanto os chamados “materialistas” ilhados num mar de interrogações.


Assim é o ser humano: Mas assim é o ser humano… Estranhíssimo e complexo. Sua vida é amalgamada num misto de piedade e de ironia: um sábio e um ignorante, um anjo de luz e um demônio de sombras. 
Olha para o céu e enchafurda-se na lama; beija entre lágrimas os olhos de seus filhinhos e mata os filhos dos outros nos campos de batalha; suas mãos afagam e apedrejam; seus lábios sorriem e sua boca espuma; ora e blasfema; renuncia e rouba; cura e envenena; esculpe filigranas e destrói cidades; luta pela verdade e calunia; escreve livros e queima bibliotecas; prega o perdão e vinga-se; ama os animais e devora-os; semeia o campo e derruba florestas; defende o fraco e humilha o débil e, finalmente, usa a razão e age como louco…


Dois seres num só: Assim é o homem. O mais contraditório ser. É mortal e eterno; vive na terra e alça-se ao infinito; é luz e sombra; é matéria e energia. Está perpetuamente preso à razão dual de sua vida: uma, fugaz como o raio; outra, eterna como o Sol. 
Possui um corpo de carne (argila), outro de centelha; um, pouco conhecido; outro, apenas pressentido. Na sua vida de argila animada encontra-se prisioneiro entre duas janelas de grades que delimitam o seu entendimento: o nascimento e a morte.
Aceitar o ser humano como ele se apresenta é compreender o maior milagre da Vida. Porque sua própria existência é prova patente da realidade das sombras e da verdade da luz!


A voz interior: Este aspecto da dualidade do ser torna-se, no decorrer deste estudo, a base dos meios escolhidos para assinalar, em face da existência, o caminho da serenidade.
Voltando novamente à atmosfera da luz espiritual, que ilumina as almas, lá se encontra a alma que anseia retornar a algum rincão deixado na bruma do mistério… 
Enquanto a voz interior continua a chamar para o estado de quietude, onde não mais seja sentida tão definidamente a ação do dualismo, que tortura e dilacera o coração humano. Ele será feliz quando compreender que chegou A HORA DA PAZ.


Texto extraído da abertura do livro de Luiz Goulart, 
“O Caminho da Paz Interior”.