2011-12-27

UMA LINDA ESTÓRIA








Sentado ali em frente ao seu congá, o velho zelador dirigente do terreiro, relembra com surpreendente nitidez a sua infância e seu primeiro contato com a espiritualidade.

Nitidamente ele se vê na tenra infância a brincar sozinho no amplo quintal da casa de seus pais. Lembra-se que alguma coisa o fez olhar para as nuvens e que diante dele uma estranha imagem se formou: um velho sentado ao redor de uma fogueira e um menino a ouvir-lhe as histórias.

De alguma forma, o menino ao ver aquela cena, sabia que se tratava dele mesmo.

O tempo passou e a cena jamais foi esquecida e também jamais revelada, mas o acompanha em sonhos e lembranças. Cresce e acaba por se tornar um médium umbandista.

Aos poucos vai conhecendo seus guias que vão tomando seu corpo nas diversas “giras de desenvolvimento”. Primeiro o Caboclo, que lhe parece muito grande e forte; depois os demais até que ao completar 18 anos, o seu Exú também recebe permissão para incorporar.

Já não é mais médium de gira. A bem da verdade, ocupa o cargo de Pai Pequeno de Terreiro. Percebe que não tivera uma adolescência como a da maioria dos jovens que lhe cercam na escola. Não vai a bailes, festas… Dedica-se com uma curiosidade e um amor cada vez maior à prática da caridade.

Os anos passam e ele acaba por abrir seu próprio terreiro. Inúmeras pessoas procuram seus guias e recebem sempre um lenitivo, uma palavra de consolo, uma esperança.

Foram tantos os pedidos e os trabalhos realizados que já perdera a conta. Viu inúmeras pessoas que declaravam amor eterno pela Umbanda se afastarem, criticando o que ontem lhes era sagrado, porque alguns de seus pedidos, não haviam sido alcançados na plenitude desejada.

Presenciou pessoas que vindas de outras religiões, encontravam a paz dentro do terreiro. Este, era mantido a duras penas já que nada cobrava pelos trabalhos realizados. “Daí de graça, o que de graça recebestes”.

Solteiro, permanecia até hoje pois embora tivesse muitas mulheres que lhe foram caras, nenhuma delas suportou ficar a seu lado.

Para ele, a vida sacerdotal se impunha a qualquer outro tipo de relacionamento.Mesmo assim, amava todas aquelas que lhe fizeram companhia em sua jornada terrena.

Brincava o velho Pai de Santo quando lhe perguntavam se era casado, respondia bem humorado que se casara muito cedo, ainda menino. A curiosidade dos interlocutores quanto ao nome de sua mulher era satisfeita com uma só palavra: Umbanda. Este era nome de sua mulher.

Com o passar do tempo a idade foi chegando. Muitos de seus Filhos de Fé seguiram seus destinos, vindo eles próprios, a abrir suas casas de caridade. O peso da idade não o impede de receber suas entidades e ainda ecoa pelo velho e querido terreiro o brado de seu Caboclo; o cachimbo do Preto Velho ainda perfuma o ambiente, a gargalhada do Exú ainda impressiona, a alegria do Erê emociona a ele e a todos… Enfim, sente-se útil ao trabalhar.


Hoje não tem gira, o terreiro está limpo, as velas estão acessas e tudo parece normal. Resolve adentrar ao terreiro para passar o tempo. Perdera a noção da horas.

Apura os ouvidos e sente passos ao seu redor. Percebe que alguém puxa os pontos e o atabaque toca. Ele está de frente para o congá. O cheiro da defumação invade suas narinas.

Seus olhos se enchem de lágrimas na mesma proporção que seu coração se enche de alegria. Estranhamente não sente coragem ou vontade de olhar para traz,… apenas canta junto os pontos.

Apenas canta junto os pontos. Fixa as imagens do altar, fecha os olhos e ainda assim vê nitidamente o congá. Parece que percebe o movimento do terreiro aumentar e vira de costas para o congá e a cena o surpreende: Vê Caboclos, Boiadeiros, Pretos Velhos, Marujos, Baianos, Erês e toda uma gama de Guias. Até os Exús e Pombas -Giras estão ali na porteira. Se dá conta que os vê como são – não estão incorporados, todos lhe sorriem amavelmente.

Dentre tantos Guias percebe aqueles que incorporam nele desde criança. Tenta bater cabeça em homenagem a eles, mas é impedido. O Caboclo, seu Guia de frente, se adianta e lhe abraça, brada seu grito guerreiro, sendo acompanhado pelos demais.

O Velho Pai de Santo não agüenta e chora emocionado. As lágrimas lhe turvam a vista. Ele fecha seus olhos e ao abrí-los, todos os Guias permanecem em seus lugares, porém calados….

Nota uma Luz brilhante em sua direção. Iansã e Omulú se aproximam. Seu Caboclo os saúda e é correspondido.

A Luz o envolve. Já não se sente velho, na verdade, sente-se jovem como nunca, seu corpo está leve e levita em direção à Luz.

Todos os Guias lhe fazem reverência.

O terreiro vai ficando longe, envolto em luz….. Sorri alegre. Missão cumprida. No dia seguinte encontram seu corpo aos pés do congá. Parece que sorri…

(autor desconhecido)
( Reeditado )