HARARE (ZIMBÁBUE)
– Todos os domingos, por volta das 9h da manhã, os subúrbios pobres de Harare começam a ser tomados por uma procissão de pessoas de branco, algumas com cajados, outras com grandes cruzes vermelhas estampadas em suas longas túnicas. Mulheres usam véus e carregam crianças no colo ou presas nas costas, amarradas com lenços.
– Todos os domingos, por volta das 9h da manhã, os subúrbios pobres de Harare começam a ser tomados por uma procissão de pessoas de branco, algumas com cajados, outras com grandes cruzes vermelhas estampadas em suas longas túnicas. Mulheres usam véus e carregam crianças no colo ou presas nas costas, amarradas com lenços.
Rumam não para catedrais ou templos, mas para campos abertos e matagais. São fiéis das dezenas de “bush churches”, as igrejas do meio do mato, que se congregam ali mesmo, ao ar livre, embaixo de árvores ou no mais escaldante sol.
É um espetáculo imperdível e uma característica própria do Zimbábue. A cada 100 ou 200 metros você consegue ver grupos de 10 pessoas, 50 pessoas, 100 pessoas, 200 pessoas, mas não mais do que isso, rezando, cantando, ajoelhando. Cada rodinha é uma igreja diferente. Ontem, fui visitar algumas.
O zimbabuano é extremamente religioso. Não sou sociólogo, mas imagino que seja em parte uma válvula de escape para a situação econômica dramática. Quase toda a população é cristã. Há as igrejas bem estabelecidas, como a católica, a anglicana e a nossa Universal do Reino de Deus, que levam multidões a suas catedrais aos domingos.
Mas uma massa não se identifica com essas grandes estruturas e pertence a incontáveis instituições menores, minúsculas, que surgem em todo lugar e, sem dinheiro para construir templos ou igrejas, mantêm a tradição de rezar a céu aberto mesmo.
Algumas igrejas prezam sua privacidade. Num descampado no bairro de Sunningdale, os fiéis da igreja Johane Masowe, que venera o apóstolo João, não queriam conversa nem me permitiram tirar fotos.
Alguns quilômetros depois, dois grupinhos que rezavam na sombra de duas árvores, lado a lado, foram mais receptivos. Me aproximei de um deles, uma rodinha com 11 pessoas e duas crianças, da igreja Zvikomborero, que significa “bênção”, na língua shona. Cantavam, batiam palmas e me deixaram olhar e fotografar:
Com um manto azul sobre a túnica branca de detalhes azuis e vermelhos, puxando a cantoria com um chocalho, estava o fundador da religião, Lewis Kariwo, 32 anos, que trabalha numa fábrica de plástico durante a semana. É ele na foto abaixo:
“Somos 70 fiéis, mas transporte é um problema em Harare aos domingos, então só vieram 11 hoje”, explicou-me Kariwo. Isso mesmo: uma igreja que tem apenas 70 fiéis, com seus próprios ritos, vestimentas e costumes.
Eles começam às 10 da manhã e fazem seu culto até por volta das 2 da tarde. Kariwo pertencia a uma outra igreja, mas decidiu fundar a sua própria em 2000. “Deus me encorajou a abrir minha própria”, diz ele. Sem dinheiro para construir um templo, rezam ali mesmo.
Pergunto porque há duas rodinhas a poucos metros de distância e não uma só, e Kariwo me explica que as outras cerca de 20 pessoas na verdade pertencem a uma outra igreja. “Temos uma boa convivência. No fundo, amamos o mesmo Deus.”
Há algo que lembra o nosso candomblé nesses cultos, e muito da exuberância das igrejas pentecostais. Eles dançam e cantam por horas, sem parar. Falam em shona, mas de vez em quando é possível identificar um “aleluia!”.
Fundamentalmente, são pessoas que se acostumaram em ser fiéis sem-teto e que adotaram o mato como catedral. Pareciam genuinamente felizes e donas de uma fé ainda não atingida pelo fenômeno das religiões de massa.
Escrito por Fábio Zanini
Nota: Os destaques são meus.
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