"Para se designarem coisas novas são precisos termos novos. Assim o exige a clareza da linguagem, para evitar a confusão inerente à variedade de sentidos das mesmas palavras.
Os vocábulos espiritual, espiritualista, espiritualismo têm acepção bem definida.
Dar-lhes outra, para aplicá-los à doutrina dos Espíritos, fora multiplicar as causas já numerosas de anfibologia. Com efeito, o espiritismo é o oposto do materialismo.
Quem quer que acredite haver em si alguma coisa mais do que matéria, é espiritualista. Não se segue daí, porém, que creia na existência dos Espíritos ou em suas comunicações com o mundo visível.
Em vez das palavras espiritual, espiritualismo, empregamos, para indicar a crença a que vimos de referir-nos, os termos espírita e espiritismo, cuja forma lembra a origem e o sentido radical e que, por isso mesmo, apresentam a vantagem de ser perfeitamente inteligíveis, deixando ao vocábulo espiritualismo a acepção que lhe é própria.
Diremos, pois, que a Doutrina Espírita ou o Espiritismo tem por princípio as relações do mundo material com os Espíritos ou seres do mundo invisível.
Os adeptos do Espiritismo serão os espíritas, ou, se quiserem, os espiritistas."
Extraído do "Livro dos Espíritos", de Alan Kardec
Espiritualismo e Espiritismo
1. INTRODUÇÃO
O objetivo desta pesquisa é estudar as várias acepções que o espiritualismo assume, comparando-as com os pressupostos espíritas, a fim de que se possa aclarar o real significado, tanto do espiritualismo como do Espiritismo
.2. CONCEITO
2.1. EM FILOSOFIA
Em sentido estrito, e no seu significado ontológico, espiritualismo designa a doutrina segundo a qual existem duas substâncias, radicalmente distintas pelos seus atributos, uma das quais, o espírito, que tem por caracteres essenciais o pensamento e a liberdade; e outra, a matéria, que tem por caracteres essenciais a extensão e a comunicação puramente mecânica do movimento ou da energia.
(Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira)
Mais evidentemente, o espiritualismo é aplicado à filosofia como a aceitação da noção de infinito, Deus pessoal, imortalidade da alma, ou a imaterialidade do intelecto e da vontade.
Menos obviamente, inclui crenças tais como forças cósmicas finitas ou mente universal, com a condição de que elas transcendam os limites da interpretação materialista vulgar. (Britannica)
2.2. EM RELIGIÃO
Crença de que os mortos manifestam suas presenças às pessoas, usualmente através do clarividente ou médium; também, a doutrina e prática daqueles que acreditam nisso. (Encarta)
Teoria que enfatiza a intervenção direta das forças espirituais ou sobrenaturais em todo o mundo.
O termo cobre fenômenos tão díspares como percepção extra-sensorial, telecinesia, e vários estados associados com o êxtase religioso, tal como a xenoglossia (falar em línguas estranhas ou expressar-se de modo ininteligível).
Nas sociedades ocidentais, espiritualismo significa comumente a prática da comunicação com os espíritos dos mortos através dos médiuns em sessões espíritas. (Macmillan Encyclopedia).
3. HISTÓRICO
3.1. FILOSOFIA
Considera-se que a primeira expressão nítida de posição espiritualista apareceu na filosofia de Platão (428-347 a.C.) que afirmou a existência de um plano de realidades incorpóreas e imutáveis – as idéias – das quais os objetos físicos seriam apenas cópias imperfeitas e transitórias.
Essa linha de pensamento ganhará força com o advento do cristianismo: os primeiros teólogos cristãos verão na obra de Platão um apoio filosófico para as teses religiosas da existência e da sobrevivência da alma e para a afirmação de um Deus criador, puro espírito.
O platonismo cristianizado terá sua mais plena e duradoura expressão no pensamento de Santo Agostinho (354-430).
Na filosofia moderna, o espiritualismo ganha impulso a partir da distinção radical feita por Descartes (1596-1650), entre res cogitans (substância pensante) e res extensa (substância extensa).
Esse dualismo substancial, todavia, serviu tanto para inspirar posições espiritualistas (que afirmaram a preeminência da res cogitans), quando para abrir caminho para doutrinas materialistas (que acabaram por reduzir toda a realidade ao mecanismo da res extensa).
(Enciclopédia Abril)
Gottfried Wilhelm Leibnitz, um versátil racionalista germânico, postulou um mundo espiritualista da mônada psíquica.
Os idealistas F. H. Bradley, Josiah Royce, e William Ernest Hocking viram os indivíduos como mero aspecto da mente universal. Para Giovanni Gentile, criador da filosofia do dualismo na Itália, a pura atividade da consciência é a única realidade.
A crença firme num Deus pessoal mantida por Henri Bergson, um intuicionista francês, foi anexada à sua crença na força cósmica espiritual (élan vital). O Personalismo Moderno deu prioridade às pessoas e personalidades em explicar o universo.
Os filósofos franceses Louis Lavelle e René La Senne, especificamente conhecidos como espiritualistas, lançaram a publicação Philosophie de L'esprit ("Filosofia do Espírito") em 1934 para afirmar que a filosofia moderna deu atenção especial ao espírito.
Embora esse jornal não professasse preferência filosófica, deu-lhe especial atenção à personalidade e às formas de intuicionismo. (Britannica)
3.2. RELIGIÃO
A tentativa de comunicar-se com os Espíritos desencarnados parece ser uma das formas que a religião adota nas sociedades humanas e ser amplamente distribuída no espaço e no tempo.
Práticas muito parecidas com as sessões espíritas modernas têm sido noticiado em várias partes do mundo, como por exemplo, Haiti e entre os Índios Norte Americanos, e não há razão para supor que estes sejam de origem recente.
O registro de uma sessão de materialização de há muito tempo é atribuída ao Velho Testamento no que diz respeito à visita de Saul ao feiticeiro, ou médium, de Endor, no curso pelos quais a materialização apareceu foi considerada pelo rei como do profeta Samuel (I Sam. 28:7-19).
Certos fenômenos mediúnicos foram noticiados nas tentativas feiticeiras da Idade Média, particularmente o aparecimento de espíritos na forma quase-material e a obtenção do conhecimento através dos espíritos.
Supõe-se que muitos daqueles perseguidos pela prática da feitiçaria foram os que hoje denominamos médiuns – embora sua mediunidade tivesse sido colorida pelo fato de ser organizada no culto proibido, e os espíritos com os quais a comunicação era estabelecida considerados como demônios.
Alguns fenômenos mediúnicos foram também encontrados entre aqueles considerados na Idade Média como possuídos pelos demônios, isto é, falando em línguas desconhecidas do orador e levitação ou levitação parcial.
Espiritualismo como um movimento religioso moderno teve seu começo no século XIX, quando as irmãs Fox ouvindo certos sons ou pancadas na sua casa em Hydesville, N. Y., procuraram interpretá-los em termos de comunicação com os mortos. (Britannica)
4. O MODERNO ESPIRITUALISMO
4.1. FENÔMENO DE HYDESVILLE
De acordo com Arthur Conan Doyle, em seu livro The History of Spiritualism, "os espíritas tomaram oficialmente a data de 31 de março de 1848 como o começo das coisas psíquicas, porque o movimento foi iniciado naquela data".
Utiliza-se a palavra espírita, porque se traduziu spiritualism por espiritismo. O correto seria dizer que "os espiritualistas tomaram oficialmente...".
Partindo desse ponto de vista, iremos dirimir todas as dúvidas e confusões a respeito desses dois termos, principalmente aqueles relacionados ao espiritismo americano e ao espiritismo anglo-saxão.
O que foi o episódio de Hydesville? A família Fox (protestante), tendo-se mudado para Hydesville, pequena cidade de NY, começa a ouvir pancadas.
Depois de algum tempo, cansados daquele incômodo, a filha mais nova do casal, Kate, desafia o suposto causador do barulho e faz também barulho com os seus dedos, pedindo para que fosse respondida.
A partir daí foi estabelecido um código e puderam se comunicar. Através deste diálogo (toques, pancadas) descobriu-se que o barulho era produzido por um espírito, Charles Hosma, que havia sido assassinado naquela casa, e enterrado no porão.
Vasculharam o local e nada encontraram. Contudo, anos mais tarde, quando uma das paredes caiu, verificou-se a veracidade do fato.
Como vemos, este episódio relata um fato mediúnico, um fenômeno mediúnico. Ele não foi importante? Sim, pois a partir dessa data, os vivos começaram a se comunicar com os mortos, que nos dizeres de Conan Doyle, foi uma verdadeira invasão organizada. Contudo, tal fenômeno não caracteriza o Espiritismo como doutrina organizada.
4.2 TIPOS DE FENÔMENOS
O Espiritualismo moderno enumera, entre outros, os seguintes fenômenos mediúnicos:
"Telepatia" é a comunicação de idéias de um para outro além dos meios físicos. "Clarividência" é o poder de ver através de meios outros além do olho físico.
"Clariaudiência" é o poder de ouvir através de meios outros além do ouvido físico.
"Levitação" é o levantamento de um objeto por outros meios além dos meios físicos.
"Materialização" é o aparecimento do espírito em matéria.
"Transporte" é a produção de objetos sem meios físicos ou a passagem de objetos através de objetos (i.é., parede) os quais não têm abertura.
4.3. PRÓS E CONTRAS
Como em todo o acontecimento, há sempre os que aprovam e os que desaprovam.
A Igreja, por exemplo, foi uma opositora feroz em virtude de suspeitar do movimento e seu clamor da nova revelação que poderia ou suplementar ou repor a revelação cristã.
As práticas espiritualistas parecem também a algumas entidades religiosas ser parte de atividades proibidas da necromancia.
Um decreto sagrado da Igreja Católica Romana em 1898 condenou as práticas espiritualistas, embora permitindo as investigações científicas legítimas dos fenômenos mediúnicos.
Os defensores do espiritualismo são aqueles que acreditavam na possibilidade de se comunicarem com um ente querido que já se fora. Além do mais, ao entrarem em contato com o mundo espiritual, esperavam também um certo consolo, no sentido de aliviar as suas dores.
5. DOUTRINAS ESPIRITUALISTAS
Por Doutrina Espiritualista entende-se toda a doutrina que em seus pressupostos adota a imortalidade da alma. Assim, poder-se-ia arrolar a Teosofia, o Esoterismo, a Escola Rosacruciana, a Umbanda, o Catolicismo etc.
Se quisermos nos valer de um estudo comparativo, veremos que há pontos de contato com todas elas, mas a visão espírita dá-lhe um colorido especial.
Tomemos a palavra reencarnação
O catolicismo não aceita a tese da reencarnação; há muitos grupos orientais que além de aceitá-la reduzem-na à metempsicose, ou seja, à transmigração da alma em corpo de animal.
A doutrina Rosa-cruz tem os seus símbolos, as suas cerimonias, os seus conceitos, a sua maneira, enfim, de explicar o infinito imanifesto, os sete planos da consciência, a alma do mundo, ou seja, uma forma simbólica de explicar a reencarnação, o que não acontece com o Espiritismo.
6. VISÃO ESPÍRITA.
"Sob o ponto de vista fenomenológico ou experimental, o Espiritismo tem relações com o Moderno Espiritualismo ocidental, uma vez que o elemento primordial desse movimento foi o fator mediúnico.
Do mesmo modo, o Espiritismo tem vínculos com as correntes espiritualistas do Oriente, sob o ponto de vista filosófico da reencarnação; sob o ponto de vista histórico, entretanto, nem mesmo com as escolas e doutrinas reencarnacionistas a codificação do Espiritismo tem liames diretos.
Quando se formou a doutrina com o nome de Espiritismo? No século XIX. As doutrinas orientais, aquelas que têm mais afinidade com o Espiritismo, em virtude da velha crença na reencarnação, já existiam desde milênios". (Amorim, 1989, p. 33)
De acordo com J. H. pires, o Espiritismo é o delta é o ponto de chegada, mas esse ponto de chegada não é um ecletismo um somar de tudo. É um universalismo próprio com seus pontos de apoio da razão.
Assim, no que tange à filosofia, pode-se dizer que todo o espírita é espiritualista, mas nem todo espiritualista é espírita, porque tanto um quanto o outro acredita na existência de Espíritos, mas não quer dizer que os dois acreditam em suas manifestações.
No que tange às doutrinas religiosas do século XIX, convém distinguir bem o termo espiritualismo do espiritismo. Se não o fizermos acabamos confundindo mediunidade com Doutrina Espírita.
7. CONCLUSÃO
A discussão Espiritualismo versus Espiritismo desemboca numa conclusão lógica: o Espiritismo tem autonomia própria, e, Allan Kardec, expressa-a através da codificação dos seus princípios fundamentais.
Embora a revelação espírita tenha sido de iniciativa dos Espíritos superiores, o trabalho maior coube ao próprio homem – Allan Kardec – que, através do método teórico-experimental, elaborou um corpo de idéias que se basta a si mesmo.
Autor: Sérgio Biagi Gregório
Em http://www.ceismael.com.br/artigo/artigo012.htm
8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
AMORIM, D. O Espiritismo e as Doutrinas Espiritualistas. 4. ed., Rio de Janeiro, Léon Denis, 1989.
DOYLE, A. C. História do Espiritismo. São Paulo, Pensamento, s.d.p.
Encarta Encyclopedia: http://encarta.msn.com
Enciclopédia Barsa. Rio de Janeiro/São Paulo, Encyclopaedia Britannica, 1993.
Encyclopaedia Britannica: http://www.britannica.com/
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, s.d. p.
The Macmillan Encyclopedia. Aylesbury, Market House, 1990.