2011-10-11

Tenha Coragem de ter Medo








Medo: - O medo é universal, atinge todos os homens e os ani­mais chamados de irracionais. Dele ninguém escapa. Trata-se de uma emoção caracterizada por uma apreensão, com comprometimento físico, mental e social.

O indivíduo que nele se encontra, apresenta falta de ar, palpitações, tremores, músculos fracos, dificuldade para pensar, falar e agir, pois sua criatividade diminui.

A pessoa torna-se “abobada” no momento, agindo aquém de suas possibilidades nor­mais. Alguns ficam paralisados durante a crise de medo.

A palavra medo tem sido usada num sentido muito geral, abran­gendo uma série de quadros que têm origens, significados, evoluções e tratamentos diferentes.

O uso do termo “medo” no sentido geral produz confusões e discussões, pois muitas vezes os envolvidos nes­tas falam de entidades diferentes.

Tentarei esclarecer algumas dúvidas.

Psicológica e mesmo fi­losoficamente, o termo “medo” tem sido usado no sentido restrito como uma emoção negativa ou desagradável, com as características já descritas, ocorrendo em todos os animais quando estes se sentem ameaçados por um perigo real ou imaginado.

A conduta natural dian­te do medo será o animal ou o homem fugir do fator causador deste e, caso tenha sucesso, haverá o término da emoção desagradável.

Al­guns exemplos: percebo algo caminhando nos meus pés descalços, olho e vejo que se trata de um escorpião. Sinto medo e cuidadosa e rapidamente livro-me dele.

Ao atravessar uma rua, vejo surgir inespe­radamente um carro em disparada, corro e me salvo do acidente ao alcançar o passeio. Termina o meu medo.

Fobia:
- Há um tipo de “medo” que tradicionalmente tem re­cebido por parte dos psiquiatras o nome de “fobia”. Nesta, a reação emocional é semelhante à descrita para o medo, mas o objeto provo­cador da emoção é praticamente inofensivo ou neutro.

Um indivíduo percebe algo caminhando em seus pés descalços, vira-se e vendo que se trata de uma barata, corre e grita apavorado. A barata, por si só, não é um inseto ameaçador.

Na fobia, o medo é subjetivo, isto é, fabricado pela mente de quem o tem a partir de um estímulo determinado, que é interpretado pelo fóbico como ameaça­dor.

O fóbico, muitas vezes, utiliza as palavras nojento, asqueroso e outras, para classificar e justificar a emoção sentida. Tanto na fobia como no medo o indivíduo tenta escapar da ameaça ou do perigo real ou subjetivo.

Doença do Pânico: - Na psiquiatria existe uma doença que tem recebido o nome de “Doença do Pânico”. Trata-se de um quadro clínico “parente” do medo e da fobia, mas com alguma diferença.

O fator que desencadeia a reação emocional de pavor no pânico, com frequência não exige estímulo externo denominado ameaça­dor.

A pessoa acometida da doença do pânico pode acordar à noi­te, (sem estar sonhando), ou estar vendo um programa na TV e, repentinamente, sentir, de forma intensa e duradoura, as reações descritas acima para o medo, com sensação de que morrerá. Não havendo objeto externo identificável, ele não poderá fugir.

Pode­rá, posteriormente, ficar condicionado, isto é, passar mal diante de situações ou objetos que eram neutros (não produziam emoções), mas como a crise foi desencadeada num certo lugar (sala de TV, usando uma camisa azul), a pessoa passa a sentir-se mal nessas cir­cunstâncias.

São comuns frases como: “Não posso passar no centro da cidade, me provoca um malestar”, “Quando escuto essa música fico triste”, etc. Em todos esses casos, ocorreu o condicionamento da pessoa. O contrário existe: ficar animado ou alegre diante de um fato ou lugar.

Ansiedade: - O quarto grupo, com as características do “medo”, atinge todos os mortais. A ansiedade faz parte de todos os quadros clínicos, tanto da psiquiatria como da chamada, erroneamente, me­dicina orgânica.

Quase sempre, quando se utiliza o termo popular “nervosismo”, estamos nos referindo à ansiedade no sentido que des­creverei.

O estudo da ansiedade não é propriedade apenas dos médicos, psicólogos e sociólogos, mas também dos filósofos, poetas, literatos, ou seja, de toda a humanidade.

Ansiedade é um estado emocional, agudo ou crônico, de apreensão, diante do possível resultado nega­tivo de uma viagem, de um negócio, do namoro, de não dormir esta noite, etc.

Ansiedade, liberdade e cultura de massa - Esta ansiedade que aqui discuto se liga, intimamente, ao conceito de “liberdade para” no sentido de Erich Fromm.

O indivíduo, através de sua consciência, visualiza uma possibilidade de ação ou de mudança, na qual ele passa de um estado já atingido e bem protegido para um desconhecido, ainda não alcançado, incerto ou não-familiar.

Ao contrário do medo no qual o indivíduo foge, neste tipo de ansiedade a pessoa a procura, enfrenta ou caminha junto dela, para alcançar o propósito idealizado, para se sentir tranquilo.

É uma emoção exclusiva do homem: envolve consciência, hipóteses e previsões para agir ou não. Trata-se de uma ansiedade produtiva, isto é, leva a pessoa ao crescimento.

A outra ansiedade, a improdutiva, leva a pessoa à “não-ação”, provocará uma ansiedade neurótica ou patológica, ligada ao sen­timento de culpa pela não-realização, pelo não-crescimento ou ex­pansão de si.

Desejo esclarecer o leitor que, em alguns momentos, a “não-ação” pode constituir um propósito da pessoa na sua expansão. A criança procura, a qualquer preço, andar, apesar do risco de cair, para desenvolver-se e suplantar uma fase da sua jornada.

Mais tarde, quando entra no pré-primário, ao desligar-se de sua família, fica ansio­sa, chora, mas cresce ao se expandir e vivenciar novos modos de ser.

O primeiro emprego, o primeiro namorado, o afastamento da família protetora, todas constituem crises de readaptações, nas quais a pes­soa passa de uma fase mais pobre de desenvolvimento, para uma mais complexa.

Esta irá exigir-lhe maior habilidade e competência. Quanto mais o indivíduo for capaz de suportar essas ansiedades, mai s ele se desenvolverá.

Muitas pessoas ainda pensam acerca das emoções como especu­lavam os grandes filósofos anteriores ao século XVII. Spinoza acredita­va que a ansiedade podia ser abolida por meio do raciocínio lógico – a supremacia da razão – ou da matemática.

Para ele e outros, a ansiedade e o medo eram emoções negati­vas e vergonhosas. Esta falsa crença tem provocado consequências graves: a eliminação da ansiedade produtiva paralisa o crescimento individual.

Ao escapar da ansiedade produtiva a pessoa sofrerá, inevi­tavelmente, a ação da ansiedade neurótica devido ao não-crescimento do indivíduo.

Os governos totalitários, a mídia em geral, as religiões e outros hipnotizadores, frequentemente procuram narcotizar e paralisar os indivíduos.

Para isso esforçam-se para transformá-los em “grupos de felizes”, incentivando-os a realizarem, unidos, ações tolas e infantis.

Esses grupos tendem a aniquilar os sistemas individuais, em proveito de um sistema grupal criado por dirigentes fora do grupo.

As pessoas têm duas alternativas com respeito às suas vidas: crescerem, suportando uma carga de ansiedade ao se projetarem para o ainda desconhecido, isto é, para um futuro incerto do vir-a-ser, ou permanecerem estáveis, sem se arriscarem ou sem propósitos pró­prios.

Nesta segunda opção, livram-se da ansiedade criadora ou sadia, mas passam a apresentar sentimentos de culpa e tédio.

Têm sido criadas crenças e religiões diversas, ídolos, heróis, mi­tos naturais e artificiais, para apaziguar e narcotizar esta multidão de necessitados de uma orientação externa, já que não desenvolveram uma interna.

A ação da cultura fabricada tem fornecido paz e calma ao indivíduo contra o sentimento de nulidade, mas, ao mesmo tempo, impede o aparecimento da ansiedade produtiva, ou seja, do impulso que força o indivíduo ao crescimento.

Ao decretar sua morte como sistema individual, dando-lhe uma orientação externa, nossa cultura produz no alegre indivíduo uma emoção inocente, pueril, por fazer parte de um sistema maior, que nunca é questionado, aceito com fé, por pertencer a este ou àquele grupo:

“Sou membro do fã-clube de Emilinha”, “Sou médico”, “Sou torcedor do Atlético”, “Sou sócio do PIC”, “Lavo-me com o sabonete Y, o que me faz ser igual aos artistas de Hollywood”, “Moro na zona sul da cidade, janto nos melhores res­taurantes e viajo pela...”.

Os mitos são seguidos cândida e fielmente por grande parte da classe média. Esta, uma vez hipnotizada, acompanha as mais estranhas sugestões e prescrições dos seus donos.

Aquele que ousa escapar do cabresto é marginalizado do grupo ideológico, ou mesmo internado como louco nos hospícios.

O seguimento hipnótico das ideologias míticas, consumidas por quase todos atrás dos modismos, das últimas novidades, da úl­tima casa noturna aberta, buscando a relação sexual mais moderna e com a mais recente aquisição da boate, confere-lhe o direito de seguir sua trajetória no mundo, sem culpa e ansiedade, sem reclamar e questionar.

A massa que se submete ao novo modelo do penteado seguirá, talvez um pouco mais animada, o novo " religioso ou político salvador de vidas perdidas ".


Por Galeno Alvarenga, em: Crônicas & Ensaios
- Uma crítica aos costumes.
Nota: Todos os destaques são meus.