Outro dia, para resolver questão importante para várias pessoas, tive que ir a um bairro desconhecido para mim. Era um bairro residencial e só havia uma ou outra pessoa nas ruas. Ao dobrar a esquina, enfim alguém!
-Moço, com licênça! Por acaso conhece essa rua? Perguntei mostrando-lhe um endereço num papel...
O rapaz, na faixa dos trinta anos, caminha pelas ruas de São Paulo com um carrinho cheio de material para reciclagem, de produtos que ele, com certeza não consome, tem os olhos marcados por uma tristeza profunda.
Tudo em si, levando em consideração seu corpo franzino e a aparência esquelética, denunciava a extrema pobreza em contraste com um Brasil considerado obeso, pela pesquisas noticiadas nos telejornais.
Alguém que, baseado em minhas experiências, sei que tem a docilidade que falta aos bem abastados moradores daquele bairro. Eu tive contato com vários " catadores" e desenvolvi um sentimento bom para com eles.
Ao me ouvir, ele parou surpreso. E apesar do cansaço em seu rosto, do suor em sua testa, abriu-me um largo sorriso, virou-se em minha direção e com a simplicidade dos seres que nada tendo, têm tudo, numa voz que denotava humildade, e a docilidade contagiante que eu preconizara, explicou-me com gestos e palavras onde eu estava e como poderia encontrar o endereço que procurava.
O seu desprendimento em ajudar, de forma limpa e objetiva, alguém que não participava de seu mundo e da rudeza de sua vida, mesmo após tê-lo agradecido, trouxe-me um sentimento que fez cada vez mais minúsculas as minhas dores pessoais.
Então, a verdadeira realidade me cobriu como um Manto Sagrado.
Eu estava ali, parada na sua frente, e não havia o meu mundo e o seu mundo, havia o mundo e dentro dele interagiamos como dois seres humanos, irmãos, que apesar de viverem distantes, neste momento estavam unidos, pela correspondência e abnegação total dele.
Alguém que mesmo nada tendo, tinha muito a oferecer e oferecia: oferecia a si mesmo a quem naquele momento pensava que nada tinha, nem a si, e que por isso, sem saber, ofereceu-lhe igualdade, pois era tudo o que sentia que ainda possuía.
Agradecida segui. Mais adiante voltei-me...sorrisos, meu e dele, naquele momento de comunhão. E nesta simplicidade, ivadiu-me uma alegria imensa por saber que há pelas ruas da cidade alguém que ( sem saber!?), e que nada tendo, dá o que é essencial...
Alguém que pertence à grandiosidade a qual eu também pertenço. Somos partículas do Universo que, nós, em nossa cegueira, julgamos estar separadas.
Mas o desprendimento daquele rapaz mostrou como é um elo forte, e o que parece separação nada mais é que a fraqueza dos elos que não se comunicam.
O rapaz continuou em sua jornada rude ( sem saber?! ) que tinha reanimado em um coração, um amor singelo, e lições que a minha alma reconhece e agradece.
Irmão, catador, minha gratidão, pois percebi que um espírito forte se reveste de frágil para tocar uma alma fraca.
Com carinho, para todos aqueles que só consideram dignos de atenção os que estão em "boas condições" sociais, e não percebem que não há diferença qualitativa entre sentimentos deste ou daquele, se forem puros.
- Hoje, eu fico com o sorriso daquele catador de papel, ou melhor " Catador de almas"!
VSL