Em uma conferência em Kyoto, encontrei a anciã Kyu Baba, da província de Okayama, de quem falei em meu outro livro entitulado “A Cartilha da Vida”. Como citei naquele artigo, com uma simples mudança mental, essa senhora conseguira curar-se de um tumor, do tamanho de uma tigelinha que aparecera na axila. Após cumprimentá-la, perguntei:
- A senhora veio aqui especialmente para esta conferência?
- Não - respondeu ela, - estou fazendo uma espécie de peregrinação, ouvindo as palestras de vários professores em diversas localidades.
- Então é como se a senhora estivesse fazendo uma viagem de turismo, não é? – disse eu, brincando, e ambos demos uma boa risada.
Depois conversamos por algum tempo, e então a senhora Baba contou-me um caso de parto sem dor:
- A minha nora estava prestes a dar à luz pela primeira vez, mas, como não sentia dores, não sabia se tinha chegado a hora ou não. Assim mesmo, pediu-me para chamar a parteira. A parteira veio, mas quando viu que a parturiente não estava sentindo praticamente nenhuma dor, disse: “Ainda levará mais de uma hora. Voltarei mais tarde”, e se foi. Logo depois, minha nora quis se levantar e fazer a cama, mas eu lhe disse: “Não precisa levantar. Fique recostada, assim mesmo. Vamos conversar um pouco”. E eu me sentei na beira da cama e ficamos, as duas, conversando. E brincando, eu lhe falei: “Você diz que tem a impressão de que o nenê está para nascer, mas será que você sabe mesmo como nasce uma criancinha?” Se de cima, se de baixo, se da boca ou do umbigo?”. Minha nora achou tanta graça no que eu disse, que começou a rir. E foi assim que o trabalho de parto começou, de repente, e quando nos demos conta, o nenê tinha nascido. Foi um parto provocado pelo riso. Como estava ausente a parteira, ficamos um pouco atrapalhadas. Segurando o bebê, sem cortar-lhe o cordão umbilical, mandei chamar urgentemente a parteira.
Ao lembrar dessa história, sorrio sem querer devido ao aspecto humorístico. Mas, analisando esse episódio, vemos que ele contém uma valiosa lição. Ele nos faz compreender que o normal é que todo parto seja assim, fácil e indolor, e que isso é sempre possível quando a parturiente mantém de forma correta o seu estado espiritual. Reconciliada com todas as coisas do universo, qualquer mulher pode ter um parto sem dor, como este.
Na Revelação Divina da Grande Harmonia está escrito: “Reconciliai-vos com todas as coisas do céu e da terra”. Mas isso não quer dizer que devemos nos reconciliar com as “coisas falsas”. Reconciliar-se com a “falsidade” ou “coisas falsas” nada mais é que condescender, tolerar. A idéia de que o parto é doloroso não passa de um erro, ou seja, “idéia falsa” e aceitá-la submissamente não é “reconciliar”; é apenas “condescender”. E na medida dessa condescendência, o trabalho de parto vem acompanhado de dor. Reconciliar-se realmente com todas as coisas, abandonando o pensamento errôneo, significa reconciliar-se com o Jisso (aspecto verdadeiro e perfeito) do parto, ou seja, compreender a verdade de que o homem é filho de Deus, e que portanto não é possível haver dor no seu nascimento. Reconhecer o Jisso de todas as coisas, e plenamente acreditar nele – isto, sim, é reconciliar-se de verdade. Não é admitir a existência real de aspectos maus e aceitá-los por condescendência, mas saber que os aspectos maus são inexistentes, e acreditar apenas no aspecto bom e saudável de todas as pessoas e coisas.
Mesmo que alguém esteja doente e nos fale de seus sofrimentos, devemos refutar essas queixas, dizendo: “Coragem! Isso não é nada!”. Esta é a atitude da verdadeira reconciliação.
Não devemos concordar com as queixas, dizendo: “Realmente, você está abatido e emagreceu muito. O pulso também está rápido demais. Não é sem razão que está sofrendo”. Concordar com as queixas de uma pessoa doente pode parecer uma atitude bondosa condizente com o “espírito de reconciliação”, mas isto é apenas “falsa reconciliação” ou “condescendência” em relação ao “falso aspecto”, ao “fenomênico”. É preciso saber distinguir bem a condescendência (falsa reconciliação) e a verdadeira reconciliação.
Lembro-me de um caso que ocorreu no tempo em que realizávamos grandes conferências no Auditório Público de Nagoya. Numa dessas ocasiões, eu havia jantado no 3º andar e descansava um pouco até o início da reunião noturna, que se aproximava, quando surgiu um ancião de muletas, arrastando as pernas que quase não dobravam. Ele aproximou-se e logo começou a me falar:
- Professor, uma vez eu fui levado até a Sede Central. Naquela época, eu não conseguia me mexer nem um pouco. Estive de cama durante vinte anos, devido à paralisia, conseqüência de um derrame. Mas, mesmo assim, quando cheguei à Sede Central, o professor me disse: “Na verdade, a doença não existe. O senhor é filho de Deus, e é perfeitamente capaz de andar”. Essas palavras penetraram em mim de tal forma, que comecei a andar de repente. Mas o meu acompanhante ficou com pena de mim e me carregou à saída, e depois disso não andei mais. Então, depois, eu pensei comigo mesmo: “Assim não pode ser”. E comecei a me esforçar de várias maneiras, mas não conseguia me levantar. Só agora é que melhorei o suficiente para conseguir andar de muletas”.
Dizendo assim, o ancião andava ainda como que arrastando o seu corpo. Então, eu lhe falei:
- O senhor não é doente. E não devia usar essas muletas tão pesadas. É mais fácil andar sem elas!
A essa altura, havia se formado uma pequena multidão ao nosso redor. E diante dela, falei ao ancião:
- Jogue fora essas muletas!
- Se eu fizer isso, vou cair – respondeu o ancião.
- Não há perigo! Garanto-lhe que é mais fácil se não tiver que carregar essas muletas tão pesadas! – afirmei energeticamente, e finalmente ele jogou fora as muletas.
- Vamos, caminhe! Você consegue andar!
Quando falei, o ancião, que até então se agarrava às muletas como se não conseguisse manter-se em pé sem elas, começou a andar. O público aplaudiu. Estimulado pelos aplausos, o ancião andava como um bebê que estivesse iniciando seus passos, pelo chão de concreto do hall bastante amplo do 3º andar. Se caísse, a queda seria dolorosa, mas mesmo assim ele andava, satisfeito.
Como se aproximasse o início da reunião noturna, deixei-o ali, e o público permaneceu ao seu redor , admirado com o fato de aquele senhor ter abandonado as muletas e caminhado sozinho.
Considerar “inexistente” a doença manifestada no corpo pode parecer uma atitude contrária à “reconciliação com todas as coisas”, pois aparentemente estamos em conflito com a realidade. Todavia, isso é apenas o aspecto fenomênico da questão. Na verdade, ao afirmarmos que “não há doença”, estamos tomando a atitude de “verdadeira reconciliação”, pois estamos nos reconciliando com o Jisso (aspecto verdadeiro) do homem. No seu Jisso, todo homem é saudável e capaz de se movimentar livremente. Aceitar naturalmente esse “aspecto verdadeiro” sadio e normal é que é a reconciliação.
No caso relatado, o ancião conta que, quando visitou a Sede Central e ouviu (de mim) a afirmação de que “a doença não existe” e que na verdade era capaz de andar, de repente ele começou a andar, mas tornou a ficar paralítico quando o seu acompanhante carregou-o às costas. Podemos explicar isso da seguinte forma: o ancião conseguiu andar quando reconheceu o seu Jisso sadio e normal, mas perdeu novamente a capacidade de se locomover quando, sugestionado pela compaixão do seu acompanhante, voltou a ver apenas o seu “falso aspecto” (aspecto fenomênico, imperfeito) e deixou que seu Jisso ficasse encoberto. Em outras palavras, primeiro ele havia conseguido a “verdadeira reconciliação”, mas depois caiu na “falsa reconciliação”, isto é, acabou “condescendendo com o seu aspecto fenomênico imperfeito”.
Pode parecer um ato de bondade ouvir as queixas de alguém que se diz doente e concordar: “É, você está mesmo doente. O seu aspecto não é nada bom”. Contudo, isso equivale a aumentar a “ilusão” que encobre o Jisso e fazer com que a pessoa condescenda com a aparência fenomênica chamada doença. Conseqüentemente, essa pessoa vai piorar, em vez de melhorar. O mesmo pode-se dizer com relação à educação infantil. Se, ao vermos uma criança levar um tombo, dissermos: “Oh! Coitadinha!” e acorremos em seu auxílio imediatamente, ela não tomará a iniciativa de se levantar sozinha. E a repetição do fato fará com que a criança perca o espírito de independência.
Pelo que foi explicado acima, podemos compreender que “olhar apenas o aspecto fenomênico e condescender com suas imperfeições” não é um ato de verdadeira bondade. Ser realmente bondoso com o próximo significa ajudá-lo a exteriorizar a perfeição do seu Jisso, sem considerar os defeitos aparentes. Condescender com o “aspecto fenomênico imperfeito” das pessoas não é ser verdadeiramente bondoso. Essa reconciliação é apenas superficial, e por isso é um ato imbuído de bondade sem profundidade.
Masaharu Taniguchi