O “eu” vive de histórias, ama histórias, o “eu” sem histórias não é “eu”.
O que importa é ser alguém e ter uma história, e carregar esse sentido de existência. E nada melhor para trazer sentido à existência desse alguém que o sofrimento.
O sofrimento é a jóia mais desejada de todos.
A jóia mais desejada de todos é a jóia do sofrimento. Porque o sofrimento confere o sentido de uma identidade muito forte, energiza você, provoca sensações muito fortes, lhe dá um sentido de importância muito grande.
Marcos Gualberto
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Há um texto que exalta o sofrimento da ostra para produzir pérola. Segundo esse texto, sem o sofrimento imposto à ostra pela areia, que entra em sua morada, não haveria pérolas. E isso é um fato.
Só que o valor moral que se pretende transmitir através desta estória está distorcido. Há uma falácia sendo transmitida.
Quando se compara o sofrimento da ostra com o sofrimento na vida do ser humano, exaltando o sofrimento como um ideal para se produzir " as pérolas " humanas, cria-se uma falácia, um engodo moral.
Primeiro porque ostras são ostras e humanos são humanos. E cada um, em seus respectivos reinos, tem suas venturas e desventuras próprias.
Um humano não deve ser comparado nem mesmo com outro humano, quiçá com uma ostra. E vice-verso.
Segundo, a ostra não foi criada para a produção de pérolas. Ela só a produz quando, por um ACIDENTE, precisa usar dos recursos próprios para sobreviver, cujo resultado, por acaso, agrada a cobiça dos humanos.
Produzir pérolas não é da natureza da ostra, não foi para isso que ela fora criada. Se fosse todas as ostras produziriam as belas bolinhas!
Logo, pretender criar algo positivo no ser humano exaltando a situação de sofrimento da ostra, é distorção da realidade. É tomar o acidente por natureza da ostra, o que é falso.
Ainda que acidentes sejam considerados naturais, é preciso ter em mente que ele só é natural enquanto fenômeno externo aos organismos, cujas naturezas são individualizadas.
No ser humano, são vários os fatores que o levam ao sofrimento, sendo que a maioria está muito além de mero acidente natural (externo). E sem entrar no mérito de qualquer um destes fatores, é certo que a natureza do ser humano está muito distante da natureza de uma ostra.
Além dos acidentes naturais ( externo ), comum a tudo e todos sobre a terra, o ser humano cria "acidentes " que o fazem sofrer. E mais, ele cria sofrimentos imaginários ( externo e internos ) para si.
A ostra, quando acometida acidentalmente por um grão de areia, sofre sozinha e não se torna um sofrimento para as outras ostras ou qualquer outro ser de seu habitat.
Já o ser humano, em qualquer tipo de sofrimento, torna-se incômodo para seu semelhante e para as outras espécies. Ele não sofre só, ele estende seu sofrimento para tudo o que o cerca.
O sofrimento é sua " joia ", ou melhor, ele se coloca na posição de joia porque é um sofredor. Uma joia falsa, diga-se de passagem, pois sendo ele um ser único, já é uma joia em si, sem precisar acrescentar mais nada.
Em vez de parar de criar atritos, acidentes e por consequência, sofrimentos, o ser humano age como uma joia de ouro que cobiça o brilho intenso, mas falso, de uma bijouteria.
Quando o ser humano se aceitar como criatura perfeita em ser o que é ( Humano ), então ele poderá brilhar com seu próprio brilho, sem a falácia da comparação.
AAZ