2013-09-14

OS MISERÁVEIS








Somos salvos pela graça. Simples assim. E, como costuma ser com as coisas simples demais, é difícil de entender. Muita gente não entende, simplesmente, a ideia de graça. A graça soa violenta a milhões de pessoas.

Veja o exemplo de Javert, o policial obcecado por capturar o fugitivo Jean Valjean no clássico “Os miseráveis”, de Victor Hugo. Jean Valjean é um homem de força descomunal que foge da prisão antes de ser degredado. Na rota de fuga ele rouba um menino e se asila em uma igreja.

O velho padre o acolhe, lhe dá comida e uma cama quente e Valjean responde roubando a prataria da igreja. Ele é capturado e levado de volta ao padre que o repreende por não ter levado também alguns castiçais. Ele afirma aos policiais que aquela prataria era um presente a Valjean que, dessa forma, é liberto.

A graça contida naquele ato transforma Valjean radicalmente e dali por diante ele se torna um anjo para muitas pessoas. Em resumo, o favor imerecido e injusto mesmo obtido daquele padre fez Valjean ser confrontado abruptamente com sua condição de miserável moral e esse foi o estopim que determinou sua nova devoção a minorar o sofrimento de outros tantos miseráveis.

Durante anos Javert o persegue, porque tem um apego doentio ao império da lei. Não importa as evidências de redenção moral dadas por Valjean, ele continua sendo um foragido e seu lugar é nas colônias penais francesas espalhadas pelos infernos tropicais.

A hipótese de seus crimes passados ficarem sem a punição prescrita na lei lhe parece hedionda. Mas estoura a Revolução e numa grande reviravolta Javert se vê preso pelo tribunal do povo, acusado de ser um espião a serviço da monarquia.

Valjean se apresenta então para ser o carrasco executor da pena de morte sobre Javert, mas em lugar de o fazer, quando está longe das vistas dos outros simplesmente liberta Javert e se entrega para ser preso. Javert então sente que é impossível prender Valjean e o deixa ir, mas essa hipótese também lhe parece inaceitável. Incapaz de lidar com o binômio lei x graça, Javert se suicida.

E, no entanto, é exatamente este o procedimento da graça: ela encolhe a mão da justa punição e deixa ir livre o infrator, apontando para a punição injusta que Jesus sofreu em seu lugar. (...)

E muitas vezes é ainda mais difícil aceitar a graça e permitir que ela nos transforme. Isso implicaria em reconhecer que somos nós os miseráveis… Se você aceitar a ilógica da graça, amigo, ela o tornará um multiplicador da graça por onde você passar, não há outro caminho. Só que antes você precisa confessar: “eu sou um miserável”!

novasemente.org/2012/10/30/os-miseraveis/
Marco Aurélio Brasil