Ouvistes o que foi dito: ‘Não adulterarás”. Eu, porém, vos digo, que todo o que olha uma mulher casada, cobiçando-a, já adulterou com ela em seu coração.
Se pois teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti; pois te convém mais que se perca um de teus membros, do que todo o teu corpo seja lançado no vale dos gemidos. Se tua mão direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti; pois te convém mais que se perca um de teus membros, do que todo o teu corpo seja lançado no vale dos gemidos.
Também foi dito: “quem repudiar sua mulher, dê-lhe carta de divórcio”. Eu, porém, vos digo, que todo o que repudia sua mulher, a não ser por causa de infidelidade, a faz ser adúltera; e qualquer que se casar com a repudiada, comete adultério.
(O Evangelho de Jesus Cristo Segundo Mateus, 5:27-32).
Todo aquele que repudia sua mulher e casa com outra, comete adultério; e quem casa com a mulher repudiada pelo marido, comete adultério.
(O Evangelho de Jesus Cristo Segundo Lucas. 16:18).
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Comentário:
Para obtermos sucesso na interpretação deste passo evangélico, lembremo-nos, mais uma vez, que há três formas de interpretação da Bíblia e de todos os outros Textos Sagrados da Humanidade:
• A forma “literal”, onde interpretamos a “letra” e não conseguimos penetrar o “real” significado que o autor pretendeu dar ao que foi escrito, pois a quase totalidade dos textos bíblicos e de outros Livros Sagrados foram escritos sob a forma alegórica das “parábolas”, com significados profundos e progressivamente “ocultos” à compreensão dos leigos, segundo o seu grau evolutivo; não foi outro o motivo que levou o Apóstolo Paulo a afirmar que “a letra mata, mas o espírito vivifica”.
Com efeito, se formos analisar apenas a “letra” destas parábolas, certamente nos escandalizaremos e nos tornaremos céticos em relação às coisas sagradas, pois não são poucos os absurdos e as contradições que o nosso “intelecto”, que julga e interpreta a letra, encontra a cada passo, e à cada século os absurdos se tornam mais evidentes devido à evolução intelectual da Humanidade.
• A forma filosófica, onde se procura penetrar “um pouco” o sentido das entrelinhas na busca da interpretação geral de todos os textos que compõem o (s) Livro(s) Sagrado(s) no seu conjunto.
Não há dúvida de que já é um passo adiante na forma interpretativa, onde muitos escolhos são retirados do caminho do candidato a intérprete dos Livros Sagrados.
Foi esta forma, a filosófica, que permitiu que interpretássemos como “simbólicos” os 6 dias da criação do mundo, a bela parábola do “jardim do Éden”, a “tentação” de Jesus no deserto, e outras, como a “reconstrução” do Templo em três dias, a identificação de Pedro como sendo “Satanás” (“afasta-te de mim, Satanás”), etc., além daquelas que o próprio Mestre propôs como tais, ou seja, parábolas, e definiu-as como modo de revelar conhecimentos ao povo de forma que eles “ouvindo não compreendessem, e vendo não enxergassem” a fim de que não crêssem e se convertessem (colhessem os frutos da Iluminação Íntima) prematuramente.
• A forma espiritual ou mística, onde é possível enxergar nos aparentes absurdos e contradições da letra verdades profundas que nos revelam informações sobre a origem da criação do Universo material e dos seres vivos, da finalidade e objetivo dos sofrimentos e dos vários níveis de evolução e da destinação divina de todas as formas criadas; porém, isto só é possível após cumprirem-se alguns níveis evolutivos absolutamente necessários para a expansão do intelecto e do raciocínio, que nos descortinam um novo mundo onde a intuição nos liga ao Deus-Interno (Divina Presença de Deus-Em-Nós) e, no curso desta Comunhão-Suprema ou “Casamento Místico” é-nos revelado todos os segredos de todos os estágios evolutivos percorridos pelo Espírito-Imortal (Essência-Monádica) desde sua origem até o presente momento, bem como de alguns outros níveis que ainda lhe restam percorrer em seu futuro glorioso.
Esclarecidos esses pontos, verifiquemos no Antigo Testamento os mandamentos que passaram pela “reforma” de Jesus neste passo evangélico.
Vejamos em Êx. 20:14 (“Não adulterarás”) e Deut. 5:18 (“E não adulterarás”), onde Elohim-YHWH previne a Moisés quanto às consequências negativas do “adulterio”, no sétimo mandamento da Lei antiga. Antes de Jesus, já a tradição rabínica declarava que o simples olhar de desejo (segundo Strack Billerbeck) constituía de per si o "adultério”.
De fato, não são as relações de contato físico entre duas pessoas que lhe determinam o carma (compromisso espiritual) e, sim, o pensamento, onde nascem toda palavra e toda ação, bem como toda “sensação e emoção”, seja ela física, moral ou espiritual.
É claro que o pensamento mau nos traz conseqüências (carma) más, e o pensamento bom nos traz conseqüências (darma) boas, tudo dependendo, compreenda-se bem, da intenção que se teve no ato de pensar.
Vejamos agora o que a Lei antiga entendia por “adultério”. Na Lei mosaica, adultério era a “infidelidade da esposa ou da noiva ao seu senhor”.
De fato, a mulher era “propriedade” do homem (pois que este a comprava de seu pai, seu primeiro dono) e o adultério desta representava um “dano” à propriedade alheia, pois esse fato constituía um roubo ao marido dela já que ela era propriedade dele.
O homem, pelo contrário, tinha plena liberdade de ação: se tivesse relações sexuais com moças solteiras, nada de mal havia; no máximo, se fosse pego em flagrante, pagava uma multa de 50 ciclos de prata ao pai da moça e a levava como “mais uma” esposa (“Quando um homem achar uma moça virgem, que não foi desposada, e tocar nela, e se deitar com ela, e forem apanhados, então o homem que se deitou com ela dará ao pai da moça cinqüenta siclos de prata: e porqüanto a humilhou, lhe será por mulher: não a poderá despedir em todos os seus dias” -Êx. 22:28-29), podendo aumentar à vontade o seu harém, desde que pudesse sustentá-las todas.
A mulher, por constituir-se “propriedade” do homem, não podia ser infiel ao seu “senhor”; a lei mandava que, se fossem surpreendidos em flagrante, fossem mortos a pedradas, se a mulher possuísse outro marido ou noivo: a ela porque fora infiel a seu dono; a ele porque lesara um patrimônio alheio (“Também o homem que adulterar com a mulher de outro, havendo adulterado com a mulher do seu próximo, certamente morrerá o adúltero e a adúltera” -Lev. 20:10) e (“Quando houver moça virgem, desposada com algum homem, e um homem a achar na cidade, e se deitar com ela, então trareis ambos à porta daquela cidade, e os apedrejareis com pedras, até que morram; a moça, porqüanto não gritou na cidade, e o homem, porqüanto humilhou a mulher do seu próximo: assim tirarás o mal do meio de ti” -Deut. 22:23-24).
Jesus não aprova essa barbaridade, que o exame apenas da letra faz saltar aos olhos chocados do homem de hoje, e exorta ao perdão, conforme podemos ver em João, 8:1-11, na passagem da mulher adúltera, quando Ele diz aos agressores que a queriam apedrejar conforme o mandamento da Lei de Moisés: “quem estiver sem pecado atire a primeira pedra” (Jo. 8:7) e a ela: “mulher, onde estão os teus acusadores? ninguém te condenou? (...) Nem eu também te condeno: vai-te, e não peques mais” (Jo. 8:10-11).
Seria ilógico que Jesus aconselhasse “arrancar o olho direito” (o direito “olha” mais do que o esquerdo?) e a mão direita (e quanto aos canhotos?)...
Aqui está uma passagem que não devemos interpretar em seu sentido “literal”.
No sentido “filosófico” poderia significar a decisão de um espírito que resolve “reencarnar” cego ou aleijado, isto é, desprovido dos órgãos que o faz “tropeçar” em sua caminhada evolutiva; não daremos, no momento, a interpretação “espiritual” ou “mística”, deixando que cada um exercite o seu raciocínio e a sua “intuição”, adiando para o momento em que Mateus aborda novamente esta questão (Mt. 18:8-9).
Aguardemos...
Quanto à questão do repúdio (divórcio) da esposa (a Lei não permitia o inverso), previsto na Lei em Deut. 24:1, temos:
- “Quando um homem tomar uma mulher, e se casar com ela, então será que, se não achar graça em seus olhos, por nela achar coisa feia, ele lhe fará escrito de repúdio (divórcio), e lho dará na sua mão, e a despedirá da sua casa”.
Portanto, mesmo que o motivo fosse apenas “encontrar nela alguma coisa que não lhe agradasse aos olhos”, o homem tinha o direito de repudiá-la...
Jesus não invalida o divórcio, porém, restringe-o apenas aos casos em que houver infidelidade da esposa (e não do marido), ao invés de apedrejá-la como mandava a Lei.
Se não for por este motivo, esclarece Jesus, ao colocá-la para fora de casa, o marido empurra-a para o adultério; e quem a acolhesse cometeria com ela adultério, porque, tendo partido o divórcio “apenas” por parte do marido, sem que houvesse infidelidade de ambas as partes, os laços matrimoniais não estariam dissolvidos até o momento em que o “outro” a acolhesse; a partir do momento em que o “outro” a acolher é que se constatará o adultério: mas então a “culpa” não será somente dela e do “outro”, o marido também terá participação.
A igreja grega ortodoxa entende que “a infidelidade conjugal, por parte da esposa, dissolve os vínculos matrimoniais”, mas nós entendemos que a recíproca também é verdadeira.
Numa interpretação menos “literal” e, portanto, mais profunda, podemos entender que “adultério” é a relação do homem com o mundo exterior (dinheiro, prazeres, poder, etc.) em detrimento da “comunhão” interior com Deus (Divina Presença) em seu próprio íntimo. Já YHWH se queixava do “distanciamento” dos hebreus quando estes serviam a outros “deuses” (Jer. 9:2; Is. 57:3-9; Ez. 16:35-38).
Como Deus é Pai de todas as criaturas, também o espírito é “pai” de todas as “personalidades”, suas filhas no decorrer das várias reencarnações: é mais ou menos como um ator que, no decorrer da sua carreira, interpreta vários personagens.
A personalidade (personagem) tem que buscar um relacionamento sincero e consciente com o espírito (ator) que a anima, objetivando unificar os processos de “re-ligação” com a Divina Presença Em Si para a vida eterna; sempre que houver um distanciamento em detrimento dos interesses imorredouros do espírito, constata-se “adultério” da personalidade em relação ao seu “esposo” ou dono: o espírito.
É neste sentido que lemos: “O que Deus uniu o homem não separe”.
* Ruach Kadosch
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