Temas: A importância do diálogo nos relacionamentos/A unidade dentro da multiplicidade / A evolução do estado humano para o estado divino / Aprender a se relacionar como o principal desafio da humanidade para o século XXI / A palavra que aprisiona e a palavra que liberta
Pergunta: Amado Guruji, se a jornada espiritual é individual, qual a importância do diálogo? O que a humanidade precisa aprender para saber dialogar?
Prem Baba: Essa questão nos traz alguns insights. Primeiro, nos leva a compreender a razão ou a meta da jornada evolutiva. A meta é a autorrealização.
O objetivo do rio é se dissolver no oceano; a onda se dissolve no mar. Ou, ainda podemos dizer que o objetivo é encontrar a unidade dentro da multiplicidade. Somos muitos na superfície, mas por dentro somos a mesma vida. É um princípio único.
Esse princípio vital ou vida única, que podemos chamar de espírito, ele fala em todas as bocas; ele se expressa de diferentes maneiras através de cada um.
Ele dá a chance para essa porção individualizada desse princípio único viver essa aventura, experienciar a individualidade e amadurecer através dessa experiência.
Podemos encarar essa jornada evolutiva como uma aventura; uma aventura que nos permite conhecer a matéria, que nos permite conhecer essa tão complexa e misteriosa criação, que é o ego humano. Até que possamos realmente, através dessa aventura, dessa experiência, poder, então, ir além dessa consciência individualizada.
Cada plano de existência tem regras, tem leis próprias. Os planetas terrestres, astrais e celestiais, têm regras específicas. Então, uma manifestação da vida única, ao encarnar aqui nesse planeta através de uma matriz corpórea, ela é submetida às leis desse plano; e uma das leis desse plano é a dualidade.
Ao chegar aqui a percepção é coberta por um véu, o véu da dualidade. É ele que cria a ideia da individualidade, cria essa partícula que coexiste junto com o princípio único da vida - que chamamos de ego -, e se sente um ‘eu’ separado do todo.
O que sustenta o ego é a ideia de “eu” e de “meu”. E ao ter e percepção envolta por esse véu ilusório da própria vida em si, então o desafio é lançado, a aventura tem início, o jogo começa.
Alguns seres iluminados, que são seres que atingiram a meta da autorrealização, enxergam esse planeta Terra como uma prisão. Um deles, que eu tenho uma grande admiração, é o Nicarole Baba. Ele dizia que esse planeta é a prisão máxima da galáxia, um dos planetas mais densos das galáxias.
Eu prefiro ver esse planeta como uma escola, uma escola cuja matéria principal é amar de forma desinteressada. E para amar de forma desinteressada, você precisa aprender a perdoar e agradecer. E para perdoar e agradecer, você tem que aprender muitas outras coisas.
Esse aprendizado possibilita a evolução. Evoluímos do estado primitivo de ignorância e estupidez, onde estamos completamente identificados com o ego e com o véu da ilusão, completamente identificados com todos os mecanismos de defesa criados para sustentar essa identificação com o ego, estado que nos faz violentos, destrutivos. Então, evoluímos desse estado, que é praticamente demoníaco, para um estado humano.
Primeiro evoluímos desse estado demoníaco para um estado humano. Nos tornamos humanos quando somos capazes de manifestar valores humanos.
Parece que o principal aspecto da humanidade é a capacidade de se doar, é a capacidade de criar união, de colocar o amor em movimento através dos dons e talentos. E do humano podemos evoluir para o estado divino, podemos, em algum momento, ser canais da perfeição divina, que é quando transcendemos a consciência humana e nos identificamos com a consciência crística, com a consciência búdica.
É quando reconhecemos a nossa natureza crística, a nossa natureza búdica; quando reconhecemos que somos esse princípio de vida única, por trás da ideia de que somos um nome, de que somos nossa história, de que somos um corpo, de que somos um ego. Ou seja, quando encontramos a unidade dentro da multiplicidade.
Então, é realmente um fato, um ensinamento que eu venho repetidamente transmitindo, que não é possível atingir a meta e desfrutar das alegrias do divino, sem antes passar pelas, também, alegrias - mas também misérias - do amor humano.
É verdade que a jornada espiritual é individual, é verdade que o rio se encontra com o oceano dentro de você mesmo, é verdade que o masculino e o feminino se encontram dentro de você mesmo, porém, o principal instrumento que nós temos para provocar essa união interior é o que chamamos de relacionamentos.
Portanto, eu afirmo que o maior desafio para o ser humano nesse atual estágio da sua jornada evolutiva é aprender a se relacionar de forma pacífica, a se relacionar de uma forma amorosa. Essa é a principal tarefa para o ser humano nesse atual estágio da sua jornada, criar união. O restante é acessório.
Todas as diversas práticas espirituais são acessórios, porque o principal sadhana é aprender a se relacionar sem se machucar, sem machucar a si mesmo, sem machucar o outro; esse é o desafio para a humanidade atual desse século XXI.
E é a partir dessa sabedoria de se relacionar harmonicamente que a gente restabelece os valores sociais, é que a gente ressignifica a política, a economia, a educação, a relação com o meio ambiente, e todos os demais segmentos da vida. Isso é uma matemática muito básica.
Você tem que ter o que oferecer, só uma pessoa feliz pode gerar felicidade, só uma pessoa que está em paz pode ser veículo dela.
E o que nós estamos vendo no mundo, essa crise global, esse colapso que estamos começando a experimentar, é apenas um reflexo, é apenas um desdobramento dessa nossa dificuldade interna de criar união.
O externo é só reflexo do interno. Essa tão profunda identificação com o ego, que se manifesta na forma de um egoísmo muito arraigado, está gerando um estado psicótico na humanidade.
Se fossemos fazer um estudo sincero e objetivo da humanidade, ela facilmente se enquadraria dentro dos modelos das psicoses. Porque existe aí uma desconexão com a realidade; cada um vive seu mundo próprio, fazendo absolutamente de tudo para manter essa ideia de mundo e gerando mais e mais destruição.
Portanto, o principal sadhana, o principal desafio, é criar união, e o diálogo é um instrumento para se criar união. Na verdade, ele pode ser um instrumento para criar união. Precisamos compreender o poder da palavra. Palavras são como pedras: elas constroem, edificam; mas também destroem, soterram, matam.
Através da palavra, do diálogo, você pode construir, pode criar união; mas através da palavra, do diálogo, você pode gerar guerra, gerar destruição e gerar morte.
Se o principal desafio é criar união, então a humanidade precisa aprender a dialogar de uma forma não destrutiva, há que se aprender a dialogar de uma forma não violenta, há que se pulsar a inteligência disponível, há que se usar a consciência já disponível para se fazer um bom uso das palavras.
É dito que a palavra nasce da ponta da língua, onde existe um trono, onde deveria morar a deusaSaraswati, que é o aspecto da vida, o aspecto da Mãe universal, que se expressa como sabedoria.
Suas palavras deveriam ser a própria expressão da Mãe universal, veículos de amor, de sabedoria, veículos de doçura; instrumento para criar paz, prosperidade, união.
Mas, também é dito que, em dado momento da jornada, o demônio é quem tomou o trono e está sentado na ponta da língua. (Prem Baba canta: “Descobri que o demônio mora na ponta da língua, prometi que me calava para não mais morrer à mingua.”)
Então, se você percebe que está se destruindo e destruindo o outro através da sua palavra, é muito bom você calar a boca mesmo, é muito importante que você faça a austeridade, a tapasya, de ficar quieto.
Coloca a língua no céu da boa e não tira para nada, só para comer quando precisar. Enquanto isso, repita os nomes de Deus, trabalhe para conectar sua mente com a divindade.
Repita os nomes de Deus dentro de você, dentro, até que, vagarosamente, vá purificando a maldade que está na ponta da língua, até que você possa novamente permitir que Saraswati ocupe o trono. A palavra é um grande poder.
Porque, outra lei desse plano que vivemos é a lei do karma. A lei de ação e reação é uma lei inexorável, não tem como fugir dela se você está encarnado aqui; se está dentro de um corpo, você esta submetido a lei de ação e reação.
Você constrói aquilo que entende como realidade através de pensamentos, palavras e ações. O pensamento se transforma em palavras, que se transforma em ação.
A palavra em si já é uma ação, assim como o pensamento também é uma ação. São estágios diferentes do mesmo impulso. Aí, dependendo do estágio o impulso, vai ter uma reação X ou Y.
A reação que você tem por conta do seu pensamento é uma, a reação que você tem por conta das palavras que você diz é outra coisa, é outro efeito. E uma ação propriamente dita é outro efeito. Mas são todas ações geradoras de karma.
Então, através das palavras você pode se enredar nas teias do karma. E como eu tenho dito, tem umkarma que te libera e tem um karma que te aprisiona; e é claro que um diálogo violento, um uso indevido das palavras, gera um karma que te aprisiona. Mas aí você pode vir a me perguntar:
Perguntas: Mas como fica, então, a necessidade de ser espontâneo, honesto, de ser verdadeiro, de que “mais vale uma raiva verdadeira que um sorriso falso”?
Prem Baba: Tudo isso continua sendo verdadeiro, e, às vezes, você precisa tomar um remédio amargo, dependendo do lugar onde você se colocou. Mas é claro que, quando você está se expressando com o propósito de se libertar, é muito diferente de quando você está estupidamente propagando miséria.
Então, é muito importante você estar realmente consciente do poder da palavra. Para isso você precisa estar presente. Se não você vai se tornar uma estátua, uma múmia que não fala.
Uma das coisas que faz você humano é justamente a palavra. A não ser que você se torne um santo e faça um voto de silêncio; aí é outra coisa. Estou falando para o ser humano regular, que está aí na dura batalha de aprender a se relacionar de uma forma sadia. Aí você me pergunta:
Pergunta: Como viver em silêncio diante uma multidão?
Prem Baba: Esse silêncio pode ser interpretado como presença. Palavra que nasce da presença também é silêncio, fragrância do sagrado espirito.
Então, a grande questão é aprender a sustentar a presença enquanto você se relaciona, sustentar o coração aberto e a consciência expandida enquanto você se relaciona, enquanto você dialoga com o outro. Porque é nesse momento que você tende a se esquecer de quem é você.
Num diálogo, é só o outro falar que você é feio, ou, menos ainda, só ele falar com você sem olhar para você, já é o suficiente para acordar a besta fera que mora em você. (risos)
Aí faz com que você novamente se identifique com a natureza inferior, com a ideia que você é um ‘eu’ separado, com suas marcas, com seus traumas de humilhação de exclusão, de rejeição; então você tem que reagir, se defender.
Você se defende atacando ou contra atacando, porque se sente atacado e vai se perdendo num mar de ilusão, que é o mar de escuridão.
Então, o diálogo com o outro é um importante instrumento de aprendizado nessa escola de amor. Importante aprendizado!
Prioritariamente, esse instrumento é para ensinar você a estar presente enquanto se relaciona; e se você está presente mesmo, vai ver que não tem muita necessidade de conversar.
Conversa necessária, mesmo, é bem pouca. A grande maioria dos diálogos é de conversas desnecessárias e de diálogo destrutivos, geradores de mau karma. Porque o diálogo destrutivo se tornou um vício. Se você estiver atento, vai ver que a grande maioria dos diálogos é feito de fofoca.
Você está sempre falando de um terceiro, sempre falando da vida do outro. Uma forma de começar a purificar a língua é jamais falar do outro quando ele não está presente.
Se você chegou a um lugar, a um grupinho, e alguém começa a falar do outro, vira as costas e sai. Você tem que cortar esse vício, esse é o principal vício que a humanidade usa para fugir de si mesmo.
Vá olhar os grupos nos diversos lugares de “lazer”, as pessoas se encontram para falar da vida do outro; normalmente para falar mal, às vezes misturado com um elogia, para fugir da peia da culpa.
Mas, esse diálogo desnecessário é veículo de todas as matrizes do ‘eu’ inferior, de inveja de ciúmes, de luxúria; é por aí que o ‘eu’ inferior te pega.
Claro que você pode, às vezes, de verdade, edificar alguém, mas quando isso vem do coração mesmo, é algo muito espontâneo, muito natural; é um poder construtivo que se manifesta.
Então, esse é um tema muito significativo. Realmente muito importante. Que você deve mesmo colocar bastante atenção.
Na raiz da conversa desnecessária ou do diálogo destrutivo está o medo e seu parceiro, o ódio, que estão a serviço de te distrair da meta maior, estão a serviço do véu da ilusão, para sustentar a ideia que você é um ‘eu’ separado.
A conversa desnecessária é para fugir da angústia de não saber quem é. É a mesma razão que faz você correr tanto na vida, para lá, para cá, não parar nunca com você sentado; se distrai até com a própria busca espiritual.
Quando percebe a possibilidade de entrar mais fundo, você precisa se distrair e aí, claro, que dificilmente você vai chegar a algum lugar.
Então, meu amado amigo, tenha coragem de renunciar a esse jogo da natureza inferior e faça com que esse poder, que é a palavra, esteja a serviço do grande espírito. Esse é seu grande desafio.
Dentro desse tema que ainda está aberto, que é nos abrirmos para compreender quais os ensinamentos que as águas ainda têm para nos oferecer, vou voltar ao assunto. Temos falado ainda de aspectos superficiais a respeito da falta de água, mas aspectos necessários que precisam ser compreendidos.
Mas tem aspectos mais profundos ainda, relacionado ao karma, relacionado com a relação com o feminino, que a gente ainda não teve a chance de falar, quero voltar ao assunto.
Abençoado seja cada um de vocês. Que possamos usar esse tão poderoso instrumento, que é o diálogo, para criar paz, para criar união.
Até nosso próximo encontro.
Namaste.
SRI PREM BABA
Satsang, 17.10.14 - Alto Paraíso 2014
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