2011-07-15

MÉDIUNS







O Poder dos Médiuns A ciência comprova que o cérebro deles é diferente
O poder dos médiuns

Como a ciência justifica as manifestações de contato com espíritos e por que algumas pessoas desenvolvem o dom


O espiritismo é seguido por 30 milhões de pessoas no mundo. O Brasil é a maior nação espírita do planeta. São 20 milhões de adeptos e simpatizantes, segundo a Federação Espírita Brasileira – no último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 2,3 milhões declararam seguir os preceitos do francês Allan Kardec, o fundador da doutrina. 

A mediunidade, popularizada pelas psicografias de Chico Xavier, em Uberaba (MG), ganhou visibilidade nos últimos anos na mesma proporção em que cresceu o espiritismo.

Mas nada se compara ao poder da mídia atual, que permite debater os ensinamentos da religião por meio de livros, programa s de tevê e rádio. 

Os romances com temática espiritualista de Zíbia Gasparetto, por exemplo, são presença constante nas listas de mais vendidos.

Embora não haja estatísticas de quantos entre os praticantes são médiuns, o que se observa é uma quantidade maior de pessoas que afirmam possuir o dom.

O interesse pela religião codificada por Kardec é confirmado pelo recorde de público do filme Bezerra de Menezes – o diário de um espírito, do cineasta Glauber Filho: 250 mil espectadores, desde o lançamento nos cinemas, em 29 de agosto. 

Um número alto para uma produção nacional. O longa, com o ator Carlos Vereza (também praticante do espiritismo) no papel-título, conta a história do cearense que ficou conhecido como "médico dos pobres", se tornou ícone da doutrina e orienta médiuns em centenas de centros a se dedicar ao bem e à caridade.



PSICOGRAFIA





 


 Instrumento por meio dos livros

A psicóloga Marilusa Vasconcelos, 65 anos, 
de São Paulo, é conhecida no espiritismo
pela sua vasta literatura psicografada. 
Em 40 anos de dedicação à mediunidade, 
publicou 61 livros. Seu orientador é o espírito 
do poeta Tomás Antonio Gonzaga, que 
participou da Inconfidência Mineira. 

A dedicação à psicografia levou Marilusa a 
fundar em 1985 a Editora Espírita Radhu, 
sigla para renúnc ia, abnegação, desprendimento
e humildade, a base dos ensinamentos na doutrina. 

Ela reúne outros dons, como ouvir, falar 
e enxergar espíritos e ser instrumento deles
na pintura mediúnica. "Os vários tipos surgiram 
desde a infância", conta Marilusa, que nasceu
numa família espírita. 

"O controle da mediunidade é indispensável.
O médium não é joguete do espírito. 
Eles interagem, num acordo mútuo de tarefa."

Os espíritas dizem que todas as pessoas têm 

algum grau de mediunidade. Qualquer um 
seria capaz de emitir pensamentos em forma 
de ondas eletromagnéticas que chegariam 
a outros planos.

O que torna algumas pessoas especiais, segundo 

os praticantes, a ponto de se transformarem 
em canais de comunicação com os mortos, 
é uma missão – designada antes mesmo de 
nascerem, determinada por ações em vidas 
anteriores e que tem na caridade o objetivo final.

"É uma tarefa em favor da evolução de si mesmo 

e da ajuda ao próximo", diz Julia Nesu, diretora 
do departamento de doutrina da União das 
Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo.

Fenômenos relacionados a pessoas que falavam 

com mortos e envolvendo objetos que se mexiam 
são relatados desde o século XVII, tanto na Europa 
quanto nas Américas, mas hoje cientistas tentam
compreender o fenômeno.

- Algumas linhas de pesquisa mostram que o cérebro 

dos médiuns é diferente dos demais.


São cinco os meios de expressão da mediunidade

A psicografia, que consagrou Chico Xavier,
é a mais conhecida. Nela, o médium escreve 
mensagens e histórias que recebe de espíritos.
Estaria sob o controle deles o que as mãos 
transcrevem.  


A vidência permite enxergar os mortos que
não conseguiram se desvencilhar da Terra 
ao não aceitarem a morte ou que aparecem 
para enviar recados a entes queridos. 


 Na psicofonia, o sensitivo é capaz de ouvir e 
reproduzir o que os espíritos dizem e pedem. 


 A psicopictografia, ou pintura mediúnica, 
permite ao médium ser instrumento de artistas 
desencarnados (termo usado pela doutrina 
para designar mortos).


A mediunidade da cura é responsável pelas 
chamadas cirurgias espirituais. 
Não é incomum um mesmo indivíduo reunir 
mais de um tipo de dom.


O poder dos médiuns 


 
VIDENCIA

 
Ver e auxiliar aqueles que estão em outro plano

Aos cinco anos, o chefe de faturamento

hospitalar Ivanildo Protázio, de São Paulo,
49 anos, pegava no sono com o carinho 
nos cabelos que uma senhora lhe fazia
todas as noites. 
Descobriu tempos depois que era a avó, 
morta anos antes. 

Aos 19 anos, os espíritos já se materializavam
para ele."Nunca tive medo. Sempre me pareceu
natural." A mãe, que trabalhava na Federação 
Espírita, o encaminhou para as aulas em que 
aprenderia a lidar com o dom. 

Hoje, Protázio é professor de educação mediúnica.
Essa é uma parte da sua missão. A outra é orientar 
os espíritos que lhe pedem auxílio para entender 
o que aconteceu com eles. A oração é o remédio.
"Os espíritos superiores me ensinaram a 
importância da caridade para nossa própria evolução."

A reportagem de ISTOÉ presenciou uma manifestação mediúnica em Indaiatuba, interior de São Paulo. O tom de voz baixo e os gestos delicados de Solange Giro, 46 anos, sugeriam que ela carrega certa timidez ao expor a própria vida numa conversa com um estranho. 

Cerca de duas horas depois, porém, é difícil acreditar no que os olhos vêem. Diante de uma tela em branco, sobre uma mesa improvisada com dezenas de tubos de tinta, a mulher começa a pintar um quadro na seqüência de outro.

O tempo gasto em cada um não passa de nove minutos. As obras são coloridas e harmoniosas. "Nunca fiz aula de artes. Mal conseguia ajudar meus filhos com os desenhos da escola", diz, minutos antes da apresentação.

A discreta Solange dá lugar a uma pessoa que fala alto, canta e encara os interlocutores nos olhos , com ar desafiador. A assinatura nas telas não leva seu nome, mas de artistas famosos – e já mortos –, como Monet, Mondrian e Tarsila do Amaral. Seria uma interpretação digna de uma atriz? Talvez. 

O que difere o momento de uma encenação é subjetivo e dá margem a dezenas de explicações – convincentes ou não. Talvez seja possível encontrar respostas no que a artista diz a cada uma das pessoas da platéia presenteadas com um dos dez quadros produzidos na noite. 

Enquanto entregava a obra, ela desferia características e situações de vida de cada um absolutamente desconhecidas dela. O mentor que a guia é o médico holandês Ernst, que viveu no século XVII. A sensitiva garante que era ele, não ela, quem estava presente na pintura dos quadros.
 
Nem sempre é fácil aceitar a mediunidade, que pode causar medo quando começa a se manifestar.
"Ainda hoje não gosto quando vejo o possível desencarne de alguém. Nestas horas, preferia não saber", conta a psicóloga Marilusa Moreira Vasconcelos, 65 anos, de São Paulo, que psicografa. 

O médium de cura Wagner Fiengo, analista fiscal paulistano, 37 anos, chegou a se afastar da doutrina. "Aos 13 anos não entendia por que presenciava aquilo." Para manter a sanidade e o equilíbrio, as pessoas que possuem dons e querem fazer parte da religião espírita precisam se dedicar à educação mediúnica

O curso leva cinco anos. Inclui os ensinamentos que Allan Kardec compilou no Livro dos Espíritos – a obra que deu base ao entendimento da doutrina – e no Livro dos Médiuns – que explica quais são os tipos de mediunidade, como eles se manifestam e os cuidados a serem tomados. Entre eles, o combate a falhas de comportamento, como vaidade, orgulho e egoísmo.

O Espiritismo prega que as imperfeições da personalidade atraem espíritos com a mesma vibração. "O pensa mento é tudo. Aqueles que pensam positivo atrairão o que é semelhante. O mesmo acontece com o pensamento negativo e os vícios

Quem gosta de beber, por exemplo, chama a companhia de espíritos alcoólatras", afirma o professor de educação mediúnica Ivanildo Protázio, 49 anos, de São Paulo, que tem o dom da vidência.

PSICOFONIA
 
Falar o que os espíritos querem dizer

 
A intuição do servidor público Geraldo Campetti, 42 anos, de Brasília,começou na infância. Ele tinha percepções inexplicáveis, das quais mais ninguém se dava conta.

Era como se absorvesse sentimentos que não eram seus. Apenas identificava que existia algo além do que seus olhos enxergavam. Até que as sensações começaram a tomar forma. Campetti passou a ouvir súplicas de ajuda. De espíritos, inconformados com a morte. 

Aos 29 anos, não se assustou. De família espírita, conhecia a mediunidade. "Mas sabia que precisava estudar para manter o equilíbrio", diz. Hoje diretor da Federação Espírita Brasileira, afirma ter controle sobre o dom de ouvir e transmitir recados dos mortos

Eventualmente, um espírito pede uma mensagem à pessoa com quem ele conversa. "Isso é espontâneo, não da minha vontade."
Imaginar que convivemos no cotidiano com pessoas que estão mortas vai além da compreensão sobre a vida – pelo menos para quem não acredita em reencarnação. Mas até na ciência já existem aqueles que conseguem casar racionalidade com dons espirituais.

Esses especialistas afirmam que a mediunidade é um fenômeno natural, não sobrenatural. E que o mérito de Allan Kardec foi explicar de maneira didática o que sempre esteve presente – e registrado – desde a criação do mundo em todas as religiões. O que seria, dizem os defensores da doutrina, a anunciação do Anjo Gabriel a Maria, mãe de Jesus, se não um espírito se comunicando com uma sensitiva?
 
Apesar desse contato constante, os mortos, ou desencarnados, como preferem os espíritas, não aparecem em "carne e osso". A ligação com o mundo dos vivos seria possível graças ao perispírito, explica Geraldo Campetti, diretor da Federação Espírita Brasileira. "Ele é o intermediário entre o corpo e o espírito. 

A polpa da fruta que fica entre a casca e o caroço." O perispírito seria formado por substâncias químicas ainda desconhecidas pelos pesquisadores terrenos, garantem os adeptos do espiritismo. "É a condensação do que Kardec batizou como fluido cósmico universal", afirma o neurocirurgião Nubor Orlando Facure, diretor do Instituto do Cérebro de Campinas. 

 Nas quatro décadas em que estuda a manifestação da mediunidade no cérebro, Facure mapeou áreas cerebrais que seriam ativadas pelo fluido.


CURA 

Cirurgias sem dor nem sangue

 
O primeiro espírito a se materializar para o analista fiscal
Wagner Fiengo, 37 anos, de São Paulo, foi de um primo. Ele tinha dez anos, teve medo e se afastou. Mas, na juventude, um tio, se guidor da doutrina, avisou que era hora de ele se preparar para a missão que lhe fora reservada. 

Por meio da psicografia, seu guia espiritual, o médico Ângelo, informou que teriam um compromisso: curar pessoas. Ele não foi adiante. Uma pancreatite surgiu sem que os médicos diagnosticassem os motivos.

Há quatro anos, seu guia explicou que as doenças eram ajustes a erros que Fiengo havia cometido numa vida passada. A missão era a forma de equilibrar a saúde e a alma. Em 2004, iniciou as cirurgias espirituais. Ele diz que não é uma substituição ao tratamento convencional. "É um auxílio na cura de fatores emocionais e físicos."
Comprovar cientificamente a mediunidade também é objetivo do psiquiatra Sérgio Felipe Oliveira, professor de medicina e espiritualidade da Faculdade de Medicina da USP e membro da Associação Médica-Espírita de São Paulo. 

Com exames de tomografia, ele analisou a glândula pineal (uma parte do cérebro do tamanho de um feijão) de cerca de mil pessoas. "Os testes mostraram que aqueles com facilidade para manifestar a psicografia e a psicofonia apresentam uma quantidade maior do mineral cristal de apatita na pineal", afirma Oliveira. 

Ele também atende, no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, casos de pacientes de doenças como dores crônicas e epilepsia que receberam todos os tipos de tratamento, não tiveram melhora e relatam experiências ligadas à mediunidade. 

"Somamos aos cuidados convencionais, como o remédio e a psicoterapia, a espiritualidade, que vai desde criar o hábito de orar até a meditação. E os resultados têm sido positivos.

" Uma pesquisa de especialistas da USP e da Universidade Federal de Juiz de Fora, publicada em maio no periódicoThe Journal of Nervous and Mental Disease, comparou médiuns brasileiros com pacientes americanos de transtorno de múltiplas personalidades (caracterizado por alucinações e comportamento duplo).

 Eles concluíram que os médiuns apresentam prevalência s inferiores de distúrbios mentais, do uso de antipsicóticos e melhor interação social.
 
A maior parte dos cientistas acredita que a mediunidade nada mais é do que a manifestação de circuitos cerebrais. Alguns já seriam explicáveis, como os estados de transe. 

Pesquisas da Universidade de Montreal, no Canadá, e da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, comprovaram que, durante a oraç ão de freiras e monges católicos, a área do cérebro relacionada à orientação corporal é quase toda desativada, o que justificaria a sensação de desligamento do corpo. Os testes usaram imagens de ressonâncias magnéticas e tomografias feitas no momento do transe.
 
A teoria seria aplicável ao transe mediúnico, quando o médium diz incorporar o espírito e não se lembra do que aconteceu. 

Pesquisadores da Universidade de Southampton, na Inglaterra, estudaram pessoas que estiveram entre a vida e a morte e relataram se ver fora do próprio corpo durante uma operação ou entrando em contato com pessoas mortas.

Os estudiosos concluíram se trat ar de um fenômeno fisiológico produzido pela privação de oxigênio no cérebro. Trabalhando sob stress, o órgão seria também inundado de substâncias alucinógenas. 

As imagens criadas pela mente seriam apenas a retomada de percepções do cotidiano guardadas no inconsciente.

PSICOPICTOGRAFIA

Milhares de quadros pintados


Criada numa família católica, Solange Giro, 46 anos, de Parapuã, interior de São Paulo, teve o primeiro contato com o espiritismo aos 20 anos, ao conhecer o marido. 

Ele, que perdera uma noiva, buscava o entendimento da morte. Já casada e com dois filhos, passou a sofrer de depressão. Encontrou alívio na desobsessão (trabalho que libertaria a pessoa de um espírito que a domina). 

A mediunidade dava os primeiros sinais. Logo passou a ouvir e ver espíritos. O dom da psicografia veio em seguida. 

Era um trei no para ser iniciada na pintura mediúnica. "Pintei cinco mil quadros no primeiro ano. 

Estão guardados. Não tive autorização para mostrálos", conta Solange, que diz nunca ter estudado artes. Nos últimos 13 anos, ela recebeu aval de seu mentor para vender os quadros. 

O dinheiro é revertido para a caridade.
O psiquiatra Sérgio Felipe Oliveira rebate a incredulidade. "Se uma pessoa está em cirurgia numa sala e consegue descrever em detalhes o que ocorreu em um ambiente do outro lado da parede, é possível ser apenas uma sensação?"  

Essa é uma pergunta que nenhuma das frentes de pesquisa se arrisca – ou consegue – a responder com exatidão. 

Da mesma maneira que todos os presentes à sessão de pintura em Indaiatuba saíram atônicos, sem conseguir explicar como alguém que conheceram numa noite foi capaz de decifrar suas angústias mais inconfessáveis.


- por Suzane Frutuoso fotos Murillo Constantino