2011-05-07

ALÉM DA VIDA








'ALÉM DA VIDA' : NÃO É PRECISO TER FÉ PARA ADMIRAR O FILME

 


Em “Além da vida”, o diretor Clint Eastwood reflete sobre a vida além da morte – e convoca Matt Damon como médium.





Matt Damon 



O brutal anti-herói dos filmes de ação se converteu no mais doce dos diretores de cinema. Nos anos 60 e 70, Clint Eastwood encarnou Dirty Harry e outros tipos genialmente violentos. Nas últimas duas décadas, porém, ele se dedicou a dirigir uma série de filmes humanistas, abordando temas como traumas infantis (Sobre meninos e lobos) , a defesa da diversidade (Gran Torino e Invictus) e a exaltação do homem comum (Cartas de Iwo Jima e A conquista da honra) . Agora, aos 80 anos, Clint parece dar um passo adiante em suas inquietações. O espiritismo baixou nele – e o resultado é Além da vida, um drama sobre o contato com os mortos.







O filme pode sugerir que seu diretor não apenas está obcecado pelo tema da morte, como encontrou a solução para suas dúvidas ao aderir à crença na reencarnação. Nesse sentido, pode até lembrar produções brasileiras em 2010, como Chico Xavier e Nosso lar, que abordam o mesmo assunto. Mas, por se tratar de um diretor realista, as imagens e as situações ganham naturalidade.

Clint não explora aparições, apesar de o enredo, em tese, permitir todo tipo de fantasma. O roteiro original, do inglês Peter Morgan (autor de A rainha e Frost/Nixon), foi encomendado por Steven Spielberg. Mas ele se sobrecarregou de projetos e ofereceu a Clint sete deles. Clint escolheu Além da vida por conter uma trama que transcende a crença nos dogmas do espiritismo. O cineasta não convoca fantasmas diante da câmera nem mesmo manifestações paranormais. As almas se manifestam por meio de um médium: George Lonegan. O personagem é interpretado por Matt Damon com tamanha credibilidade que é capaz de suspender a descrença do espectador mais cínico.

George é um Chico Xavier americano: acusado de esquizofrênico, diz que suas alucinações são miasmas do além-túmulo. Seu poder de conversar com os mortos quando toca nas mãos de uma pessoa o torna famoso no circuito esotérico. Chega a ter consultório e um site, em sua cidade natal, São Francisco. Mas lidar com os mortos, como diz, é uma maldição que o afasta do cotidiano. Para fugir da vocação, emprega-se em uma fábrica. Nesse ambiente mais improvável, ele ainda é procurado por pessoas que querem se comunicar com seus mortos. Se frequenta um curso de culinária, até lá é assombrado pelos espectros alheios. Melanie (Bryce Dallas-Howard), a moça com quem inicia um caso, termina por fugir dele – e dos próprios traumas.

A história se desenrola em outros dois blocos. Na Tailândia, a famosa jornalista de televisão francesa Marie LeLay (Cécile De France) quase morre em um tsunami – na sequência mais espetacular do filme, prova de que o diretor é um mestre na ação e na trucagem hiper-realista. Inconsciente, Marie enxerga vultos, mas ressuscita. A experiência é tão forte que ela se torna obcecada pelo outro mundo. Ao voltar a Paris, sua vida se altera. Abdica da objetividade jornalística, é afastada da televisão e resolve escrever um livro em que denuncia uma suposta conspiração do silêncio contra as evidências da espiritualidade.

divulgação e Jay Maidment.





Clint Eastwood (com Lyndsey Marshal, no destaque)
dirigiu a sequência espetacular do tsunami
ao qual Marie (Cécile De France) sobrevive 




O terceiro bloco, ambientado em Londres, envolve os gêmeos Marcus (Frankie McLaren) e Jason (George McLaren, irmão de Frankie, arregimentado nos subúrbios de Londres pelo diretor) e a mãe viciada em heroína, Jackie (Lyndsey Marshal). Os três moram em uma área miserável da cidade. No instante em que ela tenta se reabilitar, Jason morre atropelado. Jackie é internada e Marcus enviado à adoção. Inconformado, o menino recorre a todos os meios para se comunicar com o irmão e depara com diversos tipos de farsante. Até que encontra, pela internet, o site de George.

De algum modo, Jason, George e Marie vão se cruzar em um inverno londrino. E o encontro vai alterar a vida de cada um. Apesar de tanta fantasmagoria, Além da vida é um Clint Eastwood puro-sangue, com grandes atuações, cenas fortes e sentimentos deliciosamente fora de moda. Não é preciso ter fé em espíritos para admirá-lo. (A partir da Revista Época. Leia no original - só para assinantes)


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FONTE: PARTIDA E CHEGADA
http://www.partidaechegada.com/2011/01/alem-da-vida-nao-e-preciso-ter-fe-para.html